Um Punhado de Terra | Pedro Eiras



(...) Um dia a barcaça de
meus filhos pequenos
barcaça que descia o rio foi esmagada por
um barco maior que
montanhas
barco maior que montanhas veio de longe do mar
Um dia barco veio
brilhava como facas ao sol
Tão grande
era maravilha não se afogar nas águas
oh
se o grande barco se afogara!
Era maravilha não o esmagar o oceano fero
que estala nossos batéis
Veio
enchia o céu como nuvem de trovões
sobre escuras águas
Procurávamos ver o que seria
tal montanha de madeira nas águas
Nem nossos olhos que adivinhavam o leão antes de atacar
percebiam o que era
E vimos havia homens nas montanhas de madeira fomos logo
muito contentes
pensámos que lhes daríamos
nosso poço a ver
milho
a comer
talhas vidradas de manteiga fresca
redomas de vidraça com águas
pano de fino algodão
a vestir
Meus filhos ansiosos de subir à montanha de madeira
já pensavam nadar a ela
ninguém os podia ter em sossego
Mas homens da grande nave desceram em batéis
vieram a nós
que fazíamos festa em recebê-los
Quando se aproximaram vimos eram feios
tão feios
Traziam nas caras a fúria selvagem
e gritos
e cabeças de metal sobre as cabeças do corpo
e pele de ferro sobre a pele do corpo
Feia era a cor da pele
cor de leite velho estragado
cor de planta comida pelo sol
E chegaram a nós Eles
poucos
nós muitos
nós na praia a receber os homens secos
Chegaram e saltaram as ondas ao nosso encontro
e vinham a correr a nós
não percebíamos
e recuámos um passo
Correram apanharam-nos de surpresa
e nunca os tínhamos visto nunca lhes tínhamos feito mal
O primeiro que apanharam foi
um dos nossos
que atirava a seta como o vento
mas ora era de mãos nuas
alto como eu tinha mulher seis filhos pequenos
Homens secos o agarraram com grandes urros
Ele sacudiu as mãos que o agarravam
mas os homens secos
vendo ele resistia
lhe bateram na cabeça com um pau
ali o deixaram como morto
sangue corria na terra
Começámos a correr a todos os lados
pais com crianças pequenas nos braços
velhos agarrados a velhos
mulheres ao lado dos homens
mas os homens secos nos cercavam
Agarravam primeiro homens crescidos e fortes
E se encontravam velho
ali o matavam com espada de ferro
E gritavam alto no falar deles
diziam – Portugal!
diziam – São Jorge!
diziam – Santiago!
E estas palavras
ó criador do fogo
ouvi-as muitas vezes depois desse dia
(...)

Pedro Eiras, Um Punhado de Terra, Deriva Editores.

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