"Coração" arreBatado em Londres por 160 mil euros




O “Coração Independente Dourado”, obra da artista plástica Joana Vasconcelos, foi arrematado hoje num leilão em Londres por 135 mil libras (160 mil euros).

A peça, a primeira da artista portuguesa a ser vendida num leilão comercial, tinha um valor estimado entre os 94 mil e 140 mil euros e era propriedade do restaurante Eleven, em Lisboa.
(...) Antes do leilão, a artista manifestou expectativa no "impulso importante" que a sua carreira pode receber devido ao tipo de coleccionadores que frequenta os leilões da casa britânica.
Joana Vasconcelos disse à agência Lusa que esta foi a primeira vez que uma peça sua foi vendida num leilão comercial, pois até ao momento apenas expôs peças em leilões cujas receitas reverteram a favor de obras sociais.
"É uma grande experiência, mesmo do ponto de vista artístico, ter uma peça exposta ao lado de obras de grandes escultores e pintores como são os autores das obras que vão a leilão na Christie’s", referiu a escultora. Nascida em 1971, Joana Vasconcelos trabalha sobretudo em escultura e instalação e já expôs em França, Espanha, Itália, Noruega, tendo recebido vários prémios.
A peça que vai a leilão data de 2004 e esteve exposta em 2007 em Bruxelas, durante a presidência de Portugal da União Europeia, no segundo semestre de 2007.
Foi também a primeira de uma série de “corações” de Joana Vasconcelos, que usou o mesmo material, talheres de plástico translúcidos, mas em vez de amarelo, fez réplicas em vermelho e preto. O “Coração Independente Dourado” mede 3,7 metros de altura e dois metros de largura e “levou um trabalho enorme”, recordou a artista, que demorou cerca de dois meses e meio a concluir o primeiro modelo.
A inspiração veio do Coração de Viana, peça de ourivesaria em filigrana de ouro cuja tradição tem origem em Viana do Castelo. “Apesar de estar ligada muito à nossa iconografia e ao nosso passado histórico e à nossa identidade (...), é muito interessante ver como é que isso consegue passar as fronteiras de Portugal e comunicar em lugares onde não há as mesmas tradições, como aqui em Inglaterra”, saudou a artista.
(daqui)

PINA BAUSCH, 2008 | Manuel de Freitas


PINA BAUSCH, 2008

Müller,
Café Müller.

A morte sabe onde fica.

Manuel de Freitas
(Jukebox 2)


PINA BAUSCH [1940 . 2009]


E ARRANCAR CORAÇÕES: UM ACTO INÚTIL | Ana Luísa Amaral

"Pedro e Inês", de Olga Roriz, pela Companhia Nacional de Bailado

[Mais um texto onde Ana Luísa Amaral procede a uma revisitação intertextual do cânone amoroso estético cultural ocidental. A poeta continua aqui a resgatar vozes que foram condenadas a ser apenas mudas musas, , laborando numa tradição que vem de Elizabeth Barrett Browning (1806-1861), Christina Rossetti (1830-1894) e (sempre) Emily Dickinson (1830-1886). Laura, Beatriz e Catarina/Natércia surgem como símbolos amordaçados das musas que alimentaram os poetas, mas que não puderam nunca dizer de si. De Beatriz apenas sabemos o que Dante louvou no seu caminho das trevas para a luz, colocando-a no mais alto grau de pureza: a ligação entre o divino e o humano. Laura é a representação de mulher que vive na memória de Petrarca: Laura vive enquanto a sua lembrança consome o poeta. Beatriz e Laura transformam-se em abstracções incorpóreas. Camões, seguindo de perto o modelo petrarquista, recria um amor que vive na impossibilidade de conciliar corpo e espírito. Neste poema revisitamos Pedro e Inês e a história reescreve-se: «Inês é viva»]


E ARRANCAR CORAÇÕES: UM ACTO INÚTIL


«Mas é assim o amor», dizia ele, muitos anos
depois, ela já salva por cena intempestiva
de fidalgos e carta de perdão.
Poupados os seus filhos, descansara também.
Mas a paixão por ele era tão longa (roda de
circunferência em tomo de galáxia a não chegar,
vulcão de luz e assombro), que acreditar
no que ele lhe dizia: uma tarefa larga

Estava-se, recordemos, em século ainda
geocêntrico, de pensamento organizado
em escalas, e o que ele lhe falava devia ter
sentido para ela. Mas a paixão sentida era
tão longa (linha de circunferência em tomo
de galáxia a não bastar) que o excesso de sentir
se diluía no que era mais avesso: o dizer dele

«Pôr-me-ias agora», perguntou-lhe, «em esquife
ardente, e, como a uma viva, obrigarias aias,
cortesãos, a vir beijar-me os dedos como viva?».
Isto ela perguntou. E ele calou-se, interrogando
o tempo. «Inês é morta», ecoou-lhe de longe
um brado absurdo. «Inês é viva, aqui», ripostou ele,
a sua voz rasgando as pedras do palácio.

«Inês vive comigo há anos tantos e acordar
a seu lado: escala certa, e a luta foi tão longa
(roda de circunferência em tomo de galáxia
a não chegar) que há-de ser isto o amor.
E arrancar corações: um acto inútil."»
«E o que é o útil?», perguntou Inês –

Ana Luísa Amaral (Imagias)

INTRIGA ALDEÃ | Adília Lopes

Intriga Internacional,Hitchcock



INTRIGA ALDEÃ


(a propósito de 10 de Junho)


Nunca fui para a cama com um português. Nem sequer alguma vez beijei na boca um português. Os portugueses são tão feios. Sobretudo os intelectuais. Não têm sex-appeal. São uma negação para coisas eróticas.
Já viram a "Intriga Internacional" do Hitchcock? A cena de sedução no comboio (e o sexo no comboio) nunca poderia ser protagonizada por um casal português. Antes de ir para a cama com Eva Marie Saint, Cary Grant tinha de lhe perguntar se o Saint do apelido dela era o mesmo de Saint-John Perse. E Eva Marie Saint tinha de ver o pergaminho a atestar a inteligência de Cary Grant, ou seja, mais importante que a análise à Sida, o diploma de Ph. D Harvard. Havia de se certificar, já que há Roma na Austrália e Paris no Texas, se Harvard não seria em Vila Pouca de Aguiar. Depois de se certificarem que o Saint era o mesmo e a Harvard a mesma (os portugueses precisam de preliminares muito elaborados e muito demorados), iam para a cama. Mas os portugueses saem do cinema antes de o filme acabar e atrasados à missa, ou seja, praticam o coito interrompido e sofrem de ejaculação precoce.
Falo de intelectuais, de burgueses e de aristocratas. Não conheço nenhum operário nem nenhum camponês. A pessoa mais parecida com um membro do proletariado que conheci foi a criada cá de casa, a Maria Arminda Duarte da Costa, que quis assassinar a minha tia-avó Paulina Queirós Plantier Martins, por esta ter descoberto que ela roubava.
Lembro-me de duas físicas hoje encartadas, minhas colegas da Faculdade de Ciências, "mas tu és Plantier?", subi imenso na estima delas por ser Plantier. É que só se vê que sou Lopes. E Adília. Também sou Lorena Queirós. Os Lorena Queirós foram miguelistas e perderam a fortuna com a guerra civil. Também eu me hei-de pôr a chorar à porta do Estado a pedir uma indemnização por ser uma espoliada da guerra civil. Ou então, como os nossos agricultores, vou dizer que deitei no papelão os meus poemas inéditos (como eles fazem com a pêra rocha) e que não escrevo poemas porque houve um terramoto em minha e um tsunami encharcou-me a cabeça. É verdade, a tia Paulina fazia cocó no chão e os salpicas de cocó sujaram as capas dos livros do Marcel Proust.
As físicas hoje encartadas eram assim: uma era Maria Ana e ficava ofendida se alguém insinuava que ela era Mariana, a outra era Baptista e ai de quem lhe tirasse o p de Baptista. Eram umas estúpidas.
"Transforma-se o amador na coisa amada” é uma paneleirice. Gosto que eu seja eu e que tu sejas tu e ainda bem que eu não sou tu e que tu não és eu. Bons textos em português são os primeiros: o testamento de Afonso II e a notícia de torto. O resto é paisagem.
Doutorado por Harvard, o Cary Grant português regressa a Vila Pouca de Aguiar. É saloio como o carteiro de "Há festa na aldeia" de Tati que distribui as cartas sem desmontar da bicicleta, muito depressa sempre a apregoar "comme en amérique". Eu tenho horror à intelligentzia. portuguesa, sobretudo aos filhos da intelligentzia . A Ana Sílvia Abelaira, que conheci com dez anos, e o Miguel que conheci com doze anos, trataram-me não abaixo de cão, mas abaixo de cagalhão de cão. Só porque eu não ando com um letreiro ao pescoço a dizer que sou Plantier.
Intelectuais portugueses, não obrigada. Lembro-me com gosto de um rapaz da construção civil que me disse "Tem uns olhos tão queridos" e de dois motoristas de táx com quem gostei de conversar. Eles nunca leram o Wingenstein? Eu também não. É claro nunca me perguntaram se o meu nome Lopes é o do Fernão Lopes ou o do Carlos Lopes.

Adília Lopes
revista 365, número 4, julho de 1998

Benedita Kendall



Passion II, de Benedita Kendall

notícia | José Coutinho e Castro


notícia

a meio do caminho
deixou de haver caminho

antes
o cerco era branco
os sitiados respigavam negro
as masmorras tinham grades
os esbirros distinguiam-se das vítimas

porto, junho 1985

José Coutinho e Castro (in O tempo os lugares)


José Coutinho e Castro

Nasce em Mirandela, em Janeiro de 1935, de familiares oriundas de Viseu, onde decorre toda a sua infância e juventude.

Aos vinte anos muda-se para Coimbra onde frequenta a Faculdade de Direito. Mais tarde troca as leis pelas Letras e passa a frequentar o curso de Filologia Germânica.

Estuda em Hamburgo e daí transita para o Brasil onde lecciona Língua e Literatura Alemã, na Universidade de Araraquara, em São Paulo.

Em 1973 é assistente em Filologia Germânica na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Em 1976 parte para a Universidade de Rostock( na antiga RDA), como Leitor de Português. Em 1980 defende a sua Tese de Doutoramento sobre Bertold Brecht, objecto de louvor por parte do júri. Regressa nesse ano a Portugal.

Convidado pela Universidade de Humbolt, regressa a Alemanha para leccionar em Berlim durante dois anos.

Lecciona na Escola Secundária Soares dos Reis e em várias outras Escolas do Porto.

À data da sua morte, em Dezembro de 1997, é professor de disciplinas respeitantes ao Cinema, no Instituto Politécnico do Porto.

Tradutor, ensaísta, poeta, crítico de cinema, de teatro e de pintura; colaborador das páginas literárias em jornais portugueses e estrangeiros; redactor da Revista Cinema; orientador dum Clube de Cinema; membro de júris de vários Festivais de Cinema, nacionais e internacionais, deixa inédita, ainda manuscrita, uma vasta produção literária (obra poética, relatos de viagens, artigos de imprensa). A sua obra prolonga-se após o seu desaparecimento na tese de doutoramento, a segunda, que, embora concluída, não chegou a defender... (biografia retirada daqui)




Futuro do Livro (?)


(imagem de Kyle Bean)

A Feira do Livro de Madrid não irá vender nem suportes electrónicos (e-books) nem conteúdos digitais, assegurou o responsável pelo evento, o director Teodoro Sacristán, segundo o qual não foi recebida nenhuma petição para esse efeito. (fonte Sol)




Os incêndios | José Tolentino Mendonça


Os incêndios

Não devias empurrar fogo tão solitário
sob os umbrais de uma morada
nos carreiros que vão dar aos montes
sairás ainda em súplica
quando os incêndios ignorarem a ameaça
da tua vassoura de giestas

a sombra uma vez avulsa
não retorna a mesma

não despertes o que não podes calar

José Tolentino Mendonça

Poder dos Livros

O EXCESSO MAIS PERFEITO | Ana Luísa Amaral


(ouvir aqui)

O EXCESSO MAIS PERFEITO

Queria um poema de respiração tensa
e sem pudor.
Com a elegância redonda das mulheres barrocas
e o avesso todo do arbusto esguio.
Um poema que Rubens invejasse, ao ver,
lá do fundo de três séculos,
o seu corpo magnífico deitado sobre um divã,
e reclinados os braços nus,
só com pulseiras tão (mas tão) preciosas,
e um anjinho de cima,
no seu pequeno nicho feito nuvem,
a resguardá-lo, doce.
Um tal poema queria.

Muito mais tudo que as gregas dignidades
de equilíbrio.
Um poema feito de excessos e dourados,
e todavia muito belo na sua pujança obscura
e mística.
Ah, como eu queria um poema diferente
da pureza do granito, e da pureza do branco,
e da transparência das coisas transparentes.
Um poema exultando na angústia,
um largo rododendro cor de sangue.
Uma alameda inteira de rododendros por onde o vento,
ao passar, parasse deslumbrado
e em desvelo. E ali ficasse, aprisionado ao cântico
das suas pulseiras tão (mas tão)
preciosas.

Nu, de redondas formas, um tal poema queria.
Uma contra-reforma do silêncio.

Música, música, música a preencher-lhe o corpo
e o cabelo entrançado de flores e de serpentes,
e uma fonte de espanto polifónico
a escorrer-lhe dos dedos.
Reclinado em divã forrado de veludo,
a sua nudez redonda e plena
faria grifos e sereias empalidecer.
E aos pobres templos, de linhas tão contidas e tão puras,
tremer de medo só da fulguração
do seu olhar. Dourado.

Música, música, música e a explosão da cor.
Espreitando lá do fundo de três séculos,
um Murillo calado, ao ver que simples eram os seus
anjos
junto dos anjos nus deste poema,
cantando em conjunção com outros
astros louros
salmodias de amor e de perfeito excesso.

Gôngora empalidece, como os grifos,
agora que o contempla.
Esta contra-reforma do silêncio.
A sua mão erguida rumo ao céu, carregada
de nada —

Ana Luísa Amaral

São João


Manjerico, manjerico,
Manjerico que te dei,
A tristeza com que fico
Inda amanhã a terei.

Meu coração a bater
Parece estar-me a lembrar
Que, se um dia te esquecer,
Será por ele parar.

Se eu te pudesse dizer
O que nunca te direi,
Tu terias que entender
Aquilo que nem eu sei.

Vem cá dizer-me que sim.
Ou vem dizer-me que não.
Porque sempre vens assim
P'ra ao pé do meu coração.

Tenho um segredo a dizer-te
Que não te posso dizer.
E com isso já te o disse
Estavas farta de o saber...

Fernando Pessoa (quadras ao gosto popular)

deixa o tempo fazer o resto



Última aula antes do exame. Alguma ansiedade, algumas inquietações, muitos "e se sair isto?", alguns "repita lá outra vez para eu escrever aqui", um ou outro "e temos de saber isso tudo?". O costume. Vai correr bem. É só um exame e é o último.

*******
´
deixa o tempo fazer o resto
fechar as janelas
aplacar os barcos
recolher os víveres
semear a sorte
acender o fogo
esperar a ceia

abre as portas: lê a luz
a sombra, a arte do passarinheiro

com três paus
fazes uma canoa
com quatro tens um verso,
deixa o tempo fazer o resto.

Ana Paula Inácio

O poema ensina a cair | Luiza Neto Jorge


O poema ensina a cair

O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excede

até à queda vinda
da lenta volúpia de cair,
quando a face atinge o solo
numa curva delgada subtil
uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nós uma homenagem
póstuma.

Luísa Neto Jorge

Poema sobre o ódio à vida , valter hugo mãe

(foto de Pat)

Poema sobre o ódio à vida
para o zeca afonso

Havia um sapato de cristal no meio das escadas, era
certo que uma futura princesa ali o passara. um príncipe
triste, acompanhado de seus pajens, recolheu o
delicado objecto e suspirou, antevendo um amor eterno,
o coração acelerado, o príncipe tornou-se muito ansioso e
mais ansioso à medida da espera. e esperou demasiado,
enquanto todos os seus esforços falhavam o encontro
com a futura princesa. um dia, estava quieto em seus
aposentos quando súbito lhe anunciaram a bela moça.
entrando de cautelo no rico palácio, vinha já coberta
de ouro e luzia como luz que aumentasse. foi quando
lhe perguntou o pretendente, quereis casar comigo,
um príncipe triste. e a moça respondeu, perdi o sapato
sem querer, sou contra o amor, prefiro odiar todas as
coisas, ser fútil, promíscua. o príncipe ordenou que
deixassem todos os seus aposentos e ponderou o
suicídio. fechou as janelas, como num luto e, no dia
que veio, começou por inventar as leis mais justas e
mandar que oferecessem moedas aos pobres.

valter hugo mãe

Sophia de Mello Breyner Andresen


ESPERO

Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.

Sophia de Mello Breyner Andresen


AUSÊNCIA

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

Sophia de Mello Breyner Andresen

FERNÃO LOPES | apoio

FERNÃO LOPES

A grandeza de Fernão Lopes como historiador consiste, principalmente, na visão multifacetada que abrange os aspectos colectivos da vida nacional e que lhe permitiu transmitir-nos o fresco global de uma época, em vez de simples narrativas de aventuras individuais vistas segundo a ideologia cavaleiresca, como as que nos apresentam outros cronistas medievos. Graças a esta superioridade de visão, possuímos hoje um precioso relato de conjunto da grande crise social que marcou em Portugal a passagem da Idade Média para os tempos modernos.

O único cavaleiro que sai engrandecido e certamente idealizado das páginas de Fernão Lopes - Nuno Álvares Pereira - é gabado pelo seu patriotismo, pela sua sabedoria, pelo seu respeito perante casas e propriedades dos vilãos, pela sua castidade - por qualidades em que ele contrasta com os cavaleiros do seu tempo, e fazem dele, aos olhos do cronista, o modelo do cavaleiro cristão, ao serviço de Deus e do povo.

A característica fundamental da arte de Fernão Lopes é o seu poderoso visualismo: todos os seus recursos de escritor, amigo da veracidade e da clareza, tendem a mostrar-nos a coisa certa e como se passou. O melhor do seu estilo, sempre apropriado à narrativa, é empregado nisso. Através do diálogo em actos, presenciamos as figuras, determinamos os seus rasgos distintivos, o seu típico físico e moral.

É porém na descrição das multidões que Fernão Lopes atinge alturas a que nenhum escritor português chegou até agora. O quadro das arruaças de Lisboa, por ocasião da morte do Andeiro; o comportamento da multidão cheia de amor pelo Mestre e manobrada pelo velho e prestigioso Álvaro Pais; o místico e ardente desejo que a invade de ter um rei, escolhido pelo seu próprio afecto; as heroicidades e atribulações do cerco de Lisboa, tudo isto é duma intuição prodigiosa e descrito com um poder de simpatia e num colorido inigualável.

Conceito de História para Fernão Lopes

- relato objectivo da verdade na sua natural simplicidade;
- livre de qualquer parcialidade gerada por um excessivo amor pátrio (não inventando façanhas nem ocultando desastres);
- com a certeza obtida através da séria investigação (pondo de parte tudo o que não pode ser provado através de documentos).

Antes que seja tarde...

Amanhã, sala de E.E., Módulo B.
Estarei por lá a partir das 9.00.


PLANO DO TEXTO ARGUMENTATIVO

o que advém do texto é a construção da frase | Llansol


o que advém do texto é a construção da frase;

o que advém do espaço é o seu sentido;
o que advém da manhã é o sentimento de perca;
o que advém da noite é o recomeço da frase interrompida;
assim cogitando caminhava


e abri a porta que dava para o teu rosto legente.

Não disse nada, a ouvir nos teus olhos
o som da rua que entrava pelas janelas.

Sentei-me nos lugares dispersos do teu silêncio, e esperarei
por ele
_ uniu-se a mim como o oxigénio e o hidrogénio
se unem em forma de água,
numa união tão rara, imponderável e banal
como os nossos corpos unidos a ler __

voltaremos à imagem da água.

(Maria Gabriella Llansol, Onde vais drama-poesia?)

Fora cá dentro | José Mário Branco


Um vídeo dedicado ao 3.ºA.

Fora cá dentro | José Mário Branco

Se não fosse eu viver fora
Da cidade onde nasci
Inda estava cá agora
E ficava sempre aqui

Mesmo se já cá não estou
É como se cá estivesse
O Porto que em mim ficou
Nunca se perde nem esquece

O cinzento do granito
E o azul do azulejo
Funcionam como um grito
Que se desse como um beijo

Entre o vago e o profundo
Entre a dor e a malandrice
O Porto é sinal de um mundo
Que eu gostava que existisse

P'ra resumir eu diria
Que o Porto é aquele espaço
Onde dizemos bom dia
Como quem dá um abraço

José Mário Branco


Com Quatro Pedras na Mão
Poemas sobre o Porto de Filipa Leal, Joaquim Castro Caldas, João Pedro Mésseder, Jorge Sousa Braga, José Mário Branco, Luísa Ducla Soares, Luís Nogueira, Matilde Rosa Araújo, Rui Pereira, musicados por Suzana Ralha, interpretados pelo Bando dos Gambozinos e ilustrados por Emílio Remelhe
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A MULHER em Camões


A MULHER

Em Camões encontramos dois tipos de mulher, que correspondem a dois tipos de entendimento do amor (carnal e espiritual). 1º) a que é intocável, misteriosa, sempre ausente mesmo quando presente __ a ausência é a sua presença ou a presença é a sua ausência, ela está sempre para além do "véu terrestre"-, perante a qual o poeta se coloca de joelhos em atitude de vassalagem e de adoração. É a Laura de Petrarca. " Ela é a beleza, com os seus cabelos que fazem perder o preço ao ouro, o seu gesto sereno, a sua alegria grave, a sua harmonia pura e exacta, que dá sentido à Natureza, como as ninfas de Boticelli no meio das flores, mas sem o corpo visível. É inacessível e intocável. O seu sorriso é impessoal como o de Gioconda ( ... ) Viva não é deste mundo. Petrarca chora inconsolavelmente a sua ausência, sempre no mesmo tom elegíaco. ( ... ). A morte dela não é um desastre, antes uma nova forma de ausência - ausência a que se reduziu sempre a presença de Laura." E, sendo uma imagem que está escrita na alma, é principalmente na ausência que ela se torna evidente à contemplação interior. ( ... ) Por estar longe da amada o Poeta vê mais intensamente dentro da alma, a essência da sua beleza, de que os cabelos, os olhos, as faces, são apenas, como diria Petrarca, o "véu terrestre". Sem embargo de o Poeta dizer que o objecto da sua visão é superior a tudo o que cantaram Dante e Petrarca, é na realidade a imagem de Beatriz e Laura a que ele vê na sua contemplação : é a ideia, o objecto, que os poetas vêm apurando desde os trovadores provençais. António José Saraiva
2º) Outro tipo de mulher é a terrena, modelada de formas ondulantes e atraentes, perante a qual o homem se sente irresistivelmente atraído, causando- lhe a alegria dos sentidos. É a Vénus que enche Os Lusíadas e cujas formas graciosas apaziguam tempestades e vinganças. Para concluir, referimos uma vez mais as palavras de A. José Saraiva, : " Há pois, uma oposição profunda entre as duas ideias da lírica : Laura e Vénus. Uma é centrífuga em relação à terra, outra é centrípeta, uma é a negação do sensível, outra é a sua afirmação; uma cabe dentro dos moldes da hierarquia feudal, outra quebra- os; uma é transcendentalista, outra é imanentista. A poesia de Camões acha- se partida pelo meio".


Petrarquismo

O Petrarquismo consiste na livre expansão da alma enamorada de uma mulher ideal, uma mulher dotada de todas as perfeições e com graças terrenas que se ama com um amor que aspira a libertar- se da mancha da sensualidade como meio de ascender à contemplação divina, mas que a cada passo deseja possuir- se. É o amor platónico, ideal e espiritual.
Essa mulher ideal apresentava um determinado tipo de beleza : cabelos de oiro, olhar brando e sereno, riso terno e subtil, gesto manso, olhos verdes ou azuis, tez branca e rosada e lábios vermelhos.





Soneto
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sómente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,

Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.





O conceito do amor é platónico. A plenitude é a contemplação da beleza e o veículo para atingir esse nirvana é precisamente o amor, que necessita de um exercício de perfeição. Isso implica uma certa mortificação do corpo. Concebe-se o ser humano como alma e corpo. É a ideia tradicional de que o corpo é da matéria dos sentidos, para nos elevarmos é necessário que consigamos domesticar o corpo. Platão concebe o amor como uma libertação do fisíco. Temos que nos libertar das contingências do corpo que nos podem impedir de ser espírito. Só ao aperfeiçoarmo-nos é que podemos então dominar o corpo, compreendê-lo e reintegrá-lo finalmente. O sujeito transforma-se no ideal. Se a alma está transformada na amada, o que é que o corpo pretende? Pode descansar pois só à alma está ligado. A ideia está no pensamento. Já não é só o amor espiritual. Já não o satisfaz a pura semideia mas busca a posse física. A contradição dele é sentida pelo leitor. Ele não consegue libertar-se inteiramente daquela carne esmagadora.