dois poemas de Manuel de Freitas

ESTUDOS CAMONIANOS

Estavas linda, Inês, e Camões
decerto não se importará
se eu disser que tinhas
posta no lugar a carne inteira
do meu futuro desassossego.

Aos poucos vai o corpo apodrecendo,
gentil da terra furor de que esquecemos
notícia e lastro, entretidos a morrer
por novas avenidas velhas
que em breve nos não verão mais,
apartados pela vidinha.

Mas estavas tu linda, Inês,
alheia ou talvez nem tanto
ao cego conhecido engano
que por vezes se dissipa
antes mesmo de existir.

Manuel de Freitas, A última Porta

A Última Porta 

GRAPEFRUIT MOON


Não é fácil resistir a tudo
o que nos roubam.
Tempo, memória, mundo.
Toleramos o insuportável
com insuportáveis venenos.
Até melhor ordem, se houver.

Noutras casas (lembro-me)
éramos mais, bebíamos
apressadamente a juventude.
Mas a vida — chamemos-lhe
assim — separa os que se juntam,
gosta de abismos fáceis.

Ao quinto ou quarto gin
(lembras-te?) deitávamo-nos
a sorrir para a estrelas,
sobre o pano gasto do bilhar.

A música era esta.
Perdemos quase tudo.
Manuel de Freitas

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