O lenço preto, de Sara Monteiro


O lenço preto

A seguir, era a sua vez de apresentar um conto no encontro de micronarrativas. Na véspera lembrara-se de que se esquecera de magicar uma história e agora não tinha nada para ler. Ainda olhara para o lenço preto insistentemente mas escrevera já tantas vezes sobre ele que estava farta. Ela era rápida, havia de encontrar alguma coisa.
O tempo passou, a pessoa que lia estava a acabar. Nada lhe ocorrera, entretanto. Nada! Começou a suar frio. O escritor terminara. Bateram palmas. Olharam-na. Engoliu em seco e levantou-se. Calor e frio invadiam-na, as pernas tremiam-lhe, queria fugir. Retirou do pescoço o lenço que a incomodava com um gesto tão brusco que este lhe escapou da mão e um corvo voou no espaço por cima das cabeças dos presentes.
Voltou e poisou no seu braço. Sacudiu-o, horrorizada; uma nuvem preta subiu, subiu e espalhou-se: chuva, relâmpagos, trovões desabaram sobre a sala. As pessoas corriam e gritavam, tentando proteger-se.
Olhou os estragos provocados e o rosto estupefacto dos convidados. Agora sim, queria fugir! Salva-me! sussurrou. E a nuvem deslizou, sedosa, para a sua mão, abriu um buraco no chão, um saco preto fundo para onde ela saltou, desaparecendo sem dar explicações.


Sara Monteiro
in revista Minguante, nº11

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