"Reabro as portas do poema" | Nuno Júdice

Reabro as portas do poema, portas de ouro
Da estrofe, e entro num chão de terra negra,
Pisando a cinza de quem ali viveu.

Tu, Camões, com a lenta memória de amigas
E madrugadas, levantas-te de um sepulcro
De rimas e mágoas, com as mãos cansadas.

E tu, Garrett, suando o ócio de amores e
Desamores, já não corres pelos campos
Onde viveste para nunca mais.

Mesmo tu, Antero, cujo tédio se estende
Pelas paredes onde jazem Cristos estéreis,
Perdeste o impulso da oração.

Puxo-vos para dentro das palavras. E ouço
O murmúrio que escorre dos lábios,
Como um salmo que o poema repete.


Nuno Júdice (n. 1949)


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