Joaquim Castro Caldas



Joaquim Castro Caldas (1956-2008)

Joaquim Castro Caldas foi um poeta agitador, excessivo, estranho aos protocolos da consagração literária. Autor de cerca de uma dezena de títulos (o último, já deste ano [2008], chama-se Mágoa das Pedras e foi publicado pela Deriva), é também pelas sessões de poesia no Pinguim Café, no Porto, que foi agora recordado. Aí, o poeta, o «diseur», e o actor e o «saltimbanco», coincidiam numa figura teatral. Numa nota autobiográfica inserida na badana de um dos seus livros, podemos ler:

«1956, Lisboa, actor de poesia, saltimbanco, lunático praticante, a tempo inteiro, teatro de vez em quando, Escola Avé-Maria, Colégio Militar, Conservatório Nacional, escola da morte e da vida» com o seu público.

Nascido em Lisboa, foi no entanto no Porto, onde viveu desde os anos 80, que desenvolveu uma actividade de animação e tertúlia muito produtiva. O seu nome está também ligado à fundação do jornal «Metro», que inaugurou a era das publicações gratuitas. Este roteiro cultural do Porto, entretanto desaparecido, teve uma grande importância na vida da cidade.


( Expresso Actual, 6 Set 2008)

Malditos poetas | Adolfo Simões Müller

Malditos poetas, que disseram tudo
e tudo tão bem dito!

Malditos poetas, que me deixam mudo,
sem um ai, uma súplica ou um grito!

Raios os partam, cada qual maldito!

Malditos, que roçaram no seu voo,
com asas de veludo
o infinito!

Malditos poetas: Eu os abençoo…

Adolfo Simões Müller

Hans Jürgen Heise, Bensafrim


Hans Jürgen Heise, Bensafrim

A manhã dá aos gatos
sapatinhos
de orvalho

Sinédoque, Nova Iorque

sinédoque - figura de estilo que consiste em tomar a parte pelo todo.

Exemplo:
«Manda equipar batéis, que ir ver queria/
Os lenhos em que o Gama navegava.»

[A parte representando o todo: lenho ou madeira, de que eram feitos os navios – lenhos, em vez de navios]
«Só tendo a morte quase certa é que o poveiro não vai ao mar. Aqui o homem é acima de tudo pescador.»

[Emprego do singular pelo plural: poveiro – poveiros; homem – homens]





Excelentes diálogos. Excelente filme.

A Metamorfose da Planta dos Pés, Catarina Nunes de Almeida

O padre voador a quem a Inquisição cortou as asas






O padre voador a quem a Inquisição cortou as asas

(Expresso Primeiro Caderno, 08 Ago 2009)

Rui Cardoso


Alvo da chacota dos ignorantes que o rodeavam, acaba por partir para a Holanda em 1713, de onde regressa três anos depois. Apesar da protecção de D. João V e de alguns espíritos mais abertos, como o duque do Cadaval e o marquês de Fontes, a sua ascendência brasileira e mestiça, a proximidade com cristãos-novos que a inquisição viria a perseguir (caso de António José da Silva, dito “o Judeu”), causam-lhe sucessivos problemas que culminam, em Setembro de 1724, com um escândalo envolvendo freiras do convento de Odivelas, próximas da corte.

Segue-se uma aventurosa fuga a pé para Espanha, morrendo de esgotamento e doença em Toledo, em 1724. Da sorte dos seus documentos pouco se sabe. Joaquim Fernandes admite que um irmão, o diplomata Alexandre de Gusmão, os tenha cedido, em Paris, ao astrónomo português José Soares de Barros, amigo dos irmãos Montgolfier.

Assim, desaparecia aos 39 anos um homem que, como sublinha Joaquim Fernandes, teve o azar de ter chegado a Lisboa demasiado cedo. Em Junho de 1784, o sábio Domingos Vandelli, chamado pelo marquês de Pombal para modernizar a Universidade, mandava lançar em Coimbra uma máquina aerostática.




O DIA DO MÚSICO (Edgar Pêra a partir de Satie)



Ainda de Satie recomenda-se vivamente o "O Elogio do Crítico" disponível em As folhas Ardem.
E já agora procurar o livro Escritos em Forma de Grafonola ( da & Etc) e a
Memória de um Amnésico (Hiena).

M. S. Lourenço (1936 - 2009)



M. S. LOURENÇO



OVÍDIO, AMORES; I, 5


A tua língua tem a consistência da rosa
e o sabor da madrugada.
Ergo-a com a minha em direcção ao céu
e voas no interior da minha boca.
Mordes os meus lábios
e ficas com a boca entumecida e plena.
Se abres a boca deslizo na língua até à garganta:
e sou a loba branca que vem morrer à praia.


Percorro o teu ouvido
como o mar explora as grutas;
procuro nele os búzios, as pedras,
as algas da tua história.
No meu peito as tuas mãos deslizam
e vêem nele uma superfície castanha,
um velho espelho chinês;
mas no teu peito as minhas mãos suscitam
a escultura e a música:
fazem nascer o volume amigo da terra,
os primeiros sonhos da tarde.
Na minha boca ele é manso:
oiço nele a água, a cor do ouro, o silêncio.


A tua pele está agora chegada ao meu rosto
leio nela uma mensagem.
Se sinto nas minhas mãos a curva das tuas coxas,
a grande baía azul do teu ventre descansa;
se me encosto na almofada,
as tuas pernas dobram-se em ângulo recto.
As mãos sobem até ao joelho e descem, depois,
até se imobilizarem na grande rosácea aberta do teu ser.


A minha mão toma agora a forma da ogiva
e lê nas estalactites aromáticas do teu ser
as inscrições e os símbolos que me transmites.
Repouso com a cabeça entre os teus pés
e aperto nos meus a tua cabeça.
Nas tuas mãos sou um unicórnio livre:
elas falam de todo o amor deste mundo
através dos seus cinco sinos.


Quando as tuas mãos guiaram o grande chifre fálico
nas espaçosas paisagens do teu ser
os cisnes espalharam-se sobre o lago
batendo com a cauda.


(in «Variações sobre um Corpo»,
Antologia de Poesia Erótica Contemporânea,
Selecção e Prefácio de Eugénio de Andrade,
desenhos de José Rodrigues,
Editorial Inova/Porto, 1973)


M. S. Lourenço (1936 - 2009)

Manuel António dos Santos Lourenço (Sintra, 1936). Conhecido como poeta e ensaísta e Director da revista Disputatio, especializada em estudos de filosofia analítica. Formou-se em Lisboa e Oxford. É professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, obtendo o seu doutoramento, com uma tese sobre Wittgenstein - A Espontaneidade da Razão: A Analítica Conceptual da Refutação do Empirismo na Filosofia de Wittgenstein, em 1980 (editada em 1986) - foi docente em universidades inglesas, norte-americanas e austríacas. Manteve residência académica fora do país (Oxford, 1965-72; EUA, 1972-80; Innsbruck, 1983-84). É Autor de uma obra de iniludível pendor filosófico, pouco divulgada e dificilmente catalogável, dotada de humor, gnosticismo e nonsense. Grande parte dos seus textos ensaísticos, avulsamente publicados em revistas da especialidade, pode ser lida à luz das correntes contemporâneas do pensamento anglo-saxónico. Fora do âmbito dessas publicações, encontra-se colaboração de sua autoria na revista Colóquio-Letras e no semanário O Independente. Entre outras obras menos conhecidas (de Guardini, Guitton, Kneale, etc.), traduziu e prefaciou o Tratado Lógico-Filosófico, de Ludwig Wittgenstein, bem como O Teorema de Gödel e a Hipótese do Contínuo, de Kurt Gödel. As traduções e os livros didácticos de filosofia, assim como Pássaro Paradípsico, vêm assinadas por Manuel Lourenço, para além do seu habitual M. S. Lourenço. (DAQUI)



M.S. Lourenço era pai da bailarina Catarina Lourenço e do escritor Frederico Lourenço.

Sophie Calle : prenez soin de vous



Um dia Sophie Calle recebeu uma carta de Grégoire Bouillie. Um namorado que acaba assim uma relação amorosa. Não sabendo como responder, Sophie pede a 107 mulheres para lerem a carta. Foram 107 mulheres de nacionalidades diversas e profissões variadas que deram a resposta ao ex-namorado da artista.

Sophie Calle, a única maneira de fazer arte é usar a narrativa e dentro desse terreno, seu artifício preferido, que a tornou mundialmente conhecida, é o de se valer de experiências de sua vida pessoal para a criação de seus trabalhos.


Sophia Calle

A lâmina | Gonçalo M. Tavares


A lâmina

E o que chamam cicatriz
muitas vezes é bolor;
pois esse coração não é acidentado,
mas sim aquilo que tem falta de uso: um órgão esquecido.
É por isso que, por vezes, é importante levar a lâmina ao palco
e agir como quem está pronto a usá-la a corrigir anatomias,
isto é: vidas.
É preciso ferir, em quem se vê, a caixa que sente,
porque aquilo a que se chama cicatriz
muitas vezes é apenas bolor.

Gonçalo M. Tavares, in A Colher de Samuel Beckett e Outros Textos