barbie em diagonal | Vasco Graça Moura

imagem de Helmut Newton


barbie
em diagonal


sem percorrer os dois lados da praça,
a atravessá-la pela hipotenusa,
de mini-saia curta que esvoaça
e mais ao léu com top em vez de blusa,

o tornozelo fino a dar-lhe a raça
nervosa e descuidada que produza
reflexos do seu corpo na vidraça
das lojas, dentro e fora, esguia e lusa

no porte de modelo, longas pernas
e cabelos ao vento. mas depressa,
que tão segura vai, se vê do seu

olhar que não atenta nem sequer nas
surpresas de viés quando atravessa:
tudo o que dá foi isto que me deu.

(Vasco Graça Moura, uma carta no inverno, 1997)

Amor de Perdição

Maja nua e Maja vestida | Goya



Francisco de Goya (1746-1828)

Especialistas supõem que as Majas tenham sido feitas por Goya, usando como modelo María del Pilar Teresa Cayetana de Silva y Álvares de Toledo, a duquesa de Alba, com quem o artista tinha intimidade. Uma autópsia realizada no corpo da duquesa confirmou as proporções pintadas por Goya.

(ver mais aqui)


Autópsia, Nuno Júdice


Limpo com um espanador a memória de Maria Teresa Cayetana da Silva, Duquesa de Alba, enterrada no Campo de Santo Isidoro, de onde foi exumada para autópsia em 1945, notando-se então a falta dos pés. Enterraram-na vestida, e é assim que o corpo surge na fotografia, com a mão direita visível e um esgar de dor na caveira. A nudez, aqui, pertence apenas à morte, que lhe aconteceu antes dos quarenta anos, como se a mais bela mulher de Espanha pudesse morrer de um dia para outro, sem razão aparente.Falou-se de veneno. Mas seu veneno era outro: o da beleza. Nua sobre almofadas, no quadro de Goya, os seios apontando horizontes do amor, o púbis sobressaindo de entre as coxas, na linha do umbigo, a duquesa de Alba nos fixa com os olhos desmaiados do prazer.A mão que se vê no túmulo segura, na tela, a cabeça. E o rito da morte é substituído por um sorriso de lábios fechados, num desafio a quem por ela passa, como se alguém pudesse resistir ao abismo que se abre sob seu braço esquerdo, onde se encontram o tecido e o torso. Nua e vestida, a duquesa de Alba está inteira. Olho para seus pés, onde cada um dos dedos, com as unhas perfeitas, não adivinha a mutilação póstuma, para relíquia ou simples descuido, o que não é grave: em algum juízo final, os restos se hão de colar. E Maria Teresa Cayetana da Silva, restituída a seu esplendor, se apresentará com o argumento com que a limpo, agora, do pó dos séculos: a beleza absoluta de seu corpo, o mais puro sinal de que merece a eternidade.

Antero por Eduardo Lourenço


«No quadro da cultura portuguesa, o papel e o significado da Geração de 70 ultrapassam em muito o que é natural esperar de uma manifestação de carácter ideológico, literário ou cultural. O que começou em 1865 como querela banalmente literária entre «anciens et modernes», no caso, entre poetas representativos de um romantismo estereotipado e já culturalmente inócuo e uma nova geração imbuída de pessimismo poético ou filosófico, admiradora de Gérard de Nerval, de Baudelaire, mas também do utopismo profético do autor da Légende des Siècles, adquiriu em 1870, ano-charneira do século, uma dimensão política e ideológica, caucionada pela obra e pela figura de Proudhon e mais tarde de Marx e Lassalle. Sob o nome de «socialismo», uma ideologia que se apresentava como leitura crítica do passado europeu e arma revolucionária, durante algum tempo encarnada pelo poeta e filósofo Antero de Quental, fazia a sua aparição num país sem proletariado, com uma massa de analfabetismo extremo, alheia ainda a qualquer possibilidade de organização social e, ainda mais, de revolução social. Visto de hoje, e num grau quase onírico, esse movimento de uns poucos intelectuais, impotentes politicamente, mas excepcionais como poetas, polemistas, historiadores, romancistas, existia pelo seu próprio extremismo. Podemos dizer «gauchismo». Só o explicava a onda revolucionária europeia provocada pela Revolução de 1848 (ano do Manifesto de Marx), que ecoara em Francoforte, em Viena, em Sampe-tersburgo ou em Barcelona, como em Lisboa, através dos nossos primeiros adeptos da Associação Internacional dos Trabalhadores.
Pela primeira vez, uma doutrina assumidamente subversiva encontrava uma dimensão cultural entre nós. Mas não é a este título que a Geração de 70 ocupa o centro da mitologia cultural portuguesa, pelo menos na perspectiva por ela encetada e vivida em seguida, quase sem excepção, como sendo a da própria modernidade. Pela mão do seu líder incontestado, Antero de Quental, em 1871, na abertura das «Conferências do Casino», série de palestras dedicadas ao exame crítico dos mais candentes problemas nacionais - ou como tais tidos pelos seus organizadores -, apresentou aos seus ouvintes uma versão do passado português destinada a explicar ao País as causas da nossa decadência. (...)
Antero assume a pose do profeta da revolução, melhor, do seu apóstolo, perfeitamente consciente do quixotismo que a sua crítica radical do passado nacional representa, mas não menos convicto de que a revolução que anuncia e de que espera um novo Portugal é de essência religiosa. A sua célebre conferência termina assimilando o socialismo ao cristianismo do mundo moderno: «o cristianismo foi a revolução do mundo antigo: a revolução não é mais que o cristianismo do mundo moderno. (..)
O lugar de Antero é o buraco negro de uma cultura nacional imaculada. Ele mesmo recusou esta vista directa sobre o abismo que acabou por devorá-lo. O seu suicídio não é uma peripécia subjectiva, nem uma tragédia sentimental ou cultural, à Werther ou Chatterton, é o último acto de uma vida que desejou tocar a face de Deus e não a encontrou. Em vez dela, um vazio que desde então, das maneiras mais imprevistas, se infiltrou no imaginário nacional ou lhe serviu de repoussoir. O acontecimento--Antero é a primeira expressão, entre nós, do que na cultura ocidental se designará como «morte de Deus». Na verdade, só depois dele tem sentido perspectivar o movimento da cultura portuguesa em termos de «dramaturgia». Antero foi o primeiro e, até hoje, inultrapassável encenador de um drama que antes dele só por intermitência filtrava do fluir tranquilo da nossa cultura (Camões, Garrett) e desde então passou a haver, como Pascoais e Pessoa diversamente o mostraram.

Eduardo Lourenço, in PORTUGAL COMO DESTINO seguido de MITOLOGIA DA SAUDADE .

Na mão de Deus: diálogos intertextuais -


NA MÃO DE DEUS

Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!

(Antero de Quental)


EN LA MANO DE DIOS

Na mão de Deus, na sua mão direita
ANTHERO DE QUENTAL: Soneto.


Cuando, Señor, nos besas con tu beso
que nos quita el aliento, el de la muerte,
el corazón bajo el aprieto fuerte
de tu mano derecha queda opreso.

Y en tu izquierda, rendida por su peso
quedando la cabeza, a que revierte
el sueño eterno, aún lucha por cogerte
al disiparse su angustiado seso.

Al corazón sobre tu pecho pones
y como en dulce cuna allí reposa
lejos del recio mar de las pasiones,

mientras la mente, libre de la losa
del pensamiento, fuente de ilusiones,
duerme al sol en tu mano poderosa.

(Miguel de Unamuno)


A PERIGOSA MÃO DE DEUS

Deus é maneta
diz Saramago
só tem a mão direita
à direita da qual todos se sentam.

Eu canto a outra mão de Deus
a que traz o Diabo pela trela
a que por vezes puxa para o outro lado
e escreve sempre por linhas tortas
a mão esquerda de Deus
a mão de sobra a mão do medo
a mão do nada
a mais perigosa mão de Deus
aquela que de repente solta o espírito
o enxofre a guerra o vento mau.
É a mão esquerda de Deus que aperta o coração
acelera o pulso
desarticula o ritmo.
Os poetas estão sentados à esquerda da mão esquerda
de Deus
até mesmo Antero.

(Manuel Alegre - Livro do Português Errante)

Quando não há palavras...



Nevou no deserto.
Nevou nos Emiratos Árabes Unidos. A montanha de Al Jees, com uma altura de 1.737 metros, que fica 25 km ao nordeste da cidade de Ras al-Jamiah (norte do país), amanheceu coberta com uma camada de 20 centímetros de neve. O fenómemo é tão raro que no dialecto local não existe uma palavra para designar a neve. (via News Yahoo )

A propósito

«Que é uma palavra? Que é a fala? Terei que dar um nome às pedras e às estrelas. E só então elas serão desgraça e beleza» (Vergílio Ferreira, Alegria Breve)

«Há uma palavra qualquer que deve poder dizer isso, não a sabes - e porque queres sabê-la? É a palavra que conhece o mistério e que o mistério conhece - não é tua». (Vergílio Ferreira, Para Sempre)

No Metro | João Pedro Mésseder


No Metro

No metro davam as mãos
e apenas olhos tinham
para os olhos do outro.
De coisas pequenas falavam
que não da pressão dos dedos.

Aos quinze
a rosa
tem a justa forma da mão.

João Pedro Mésseder, in Com Quatro Pedras na Mão

Ofício Cantante | herberto helder


[...]
Cegar com o rosto contra um ramo abrupto
de relâmpagos.
Eu sei. Quero dizer: eu amo
essa morte no meio da luz, entre crisálidas e gotas,
à noite, de dia -
quando o mês se extingue num supremo amadurecimento.

herberto helder, Ofício Cantante (pg. 159)

Mãe, eu quero ir-me embora| Maria Rosário Pedreira

Martin Creed Work No. 374
[o poema que nos levou à dúvida do Tiago]


Mãe, eu quero ir-me embora – a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começaram
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram –
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.


Mãe, eu quero ir-me embora – os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim – tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.


Mãe, eu quero ir-me embora – nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique –
as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como
uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.


Mãe, eu vou-me embora – esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua – a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.


Maria Rosário Pedreira in O Canto do Vento nos Ciprestes

Poeta ou Poetisa? | a propósito de uma dúvida do Tiago


A meu ver o uso da forma feminina não diminui o prestígio da autora. No entanto, algumas mulheres intitulam-se a si próprias poetas. O exemplo maior, na nossa literatura, está em Sophia de Mello Breyner, para quem o termo poetisa não era verdadeiramente a forma feminina de poeta, pois atribuía às mulheres um estatuto de menoridade face aos homens com idêntica actividade. Contudo, se consultarmos os dicionários, nada há de explícito que confirme um sentido depreciativo associado à palavra poetisa.
Natália Correia também preferia o termo poeta: “Senhores jurados sou um poeta/ um multipétalo uivo um defeito / e ando com uma camisa de vento /ao contrário do esqueleto.
Actualmente, o uso do termo (conceito) “poeta” ou “poetisa” prende-se com diferentes patamares de luta do feminismo. Numa primeira fase, as mulheres criadoras, por uma questão de igualdade, preferiram o termo “poeta”, pois o termo poetisa era conotado com uma poesia menor, mais confessional, mais autobiográfica. O termo poeta - para homem ou para mulher - serviu assim para igualar na linguagem o feminino e o masculino.
Ainda que lentamente, o termo / conceito “poetisa” tem vindo a ser reabilitado: já não menoriza a criadora, mas a afirmar uma identidade socialmente construída, que não precisa de ser igual ao masculino, para se afirmar.
A questão é que apesar de as verdades poéticas serem ditas fingindo-se verdades que o são de facto, são sempre filtradas por um sujeito de enunciação que não coincide com o sujeito empírico. Todavia quando se fala em “poetisa” e não em “poeta”, ainda há, em muitos a tentação de aí procurarem marcas biográficas e confissões de intimidade. Aparentemente, pelo menos, o termo “poeta” ajuda a construir uma maior distanciação.
Adília Lopes prefere o termo “poetisa”:

Sou uma poetisa-fêmea falo do falo
Sou um poeta-macho
sacho

Este gosto pelo termo que marca o género, reforçado pleonasticamente com o termo “fêmea”,não é uma atitude demeritória, é antes de acordo com Anna Klobucka: «a performative exploration of anachronism as a device aimed at shaking the reader out of ahistorical complacency and reactivating awareness of gender as a factor of continuing crucial importance in the realm of social and cultural hermeneutics.» (Klobucka).
Mas isto fica para outra conversa.

No dizer de Adília, a poetisa não é a que escreve versos femininos; é quem, sendo mulher, escreve poesia. O poeta e a poetisa opõe-se porque socialmente ocupam espaços diferentes.

[Procurei no editorial da revista hífen 12 – quatro poéticas – alguma referência ao assunto, mas a poeta/poetisa Inês Lourenço não se compromete…]

ÉTANT DONNÉS | Duchamp


ÉTANT DONNÉS é a última obra de Duchamp. Trata-se uma instalação que foi montada no Museu de Arte de Filadélfia, após sua morte, em 1968. O espectador assume a postura de voyeur e, espreitando pela fresta de uma porta vê uma mulher deitada, tridimensional, com o sexo exposto, mas não vê o rosto, como no quadro de Courbet.

Sobre o conjunto da obra de Marcel Duchamp mergulha em Understanding Duchamp.

Função social da Arte


“Não sou só um pintor, sou também um homem. Não faço arte pela arte mas para reclamar a minha liberdade intelectual.” Gustave Coubert

A Origem do Mundo | Courbet & Jorge Sousa Braga


A Origem do Mundo, Gustave Courbet


A Origem do Mundo

Uma mulher deitada de costas
As pernas abertas a vulva exposta

Em primeiro plano entre as coxas
Roliças e as nádegas espalmadas

Os pêlos do púbis densos como escamas
Como linha do horizonte as suas mamas

Jorge Sousa Braga, A Ferida Aberta

"A história deste quadro dava um filme. Depois de o diplomata otomano, Khalil-Bey, o ter recebido de Courbet e o ter acrescentado à sua colecção no seu palácio nz Boulevard Haussman – onde, ao que dizem, apenas o mostrava aos seus amigos e visitantes mais íntimos –, o quadro desapareceu na dispersão que se seguiu à ruína de Khalil-Bey, em 1868, tendo certamente servido para pagar algumas das suas dívidas. Sabe-se que A origem do mundo esteve guardado durante vários anos no castelo de Blonay. Em 1913, reaparece numa galeria de Paris, onde é adquirido por um barão húngaro, François Hatvany, coleccionador de arte, que o leva para o seu palácio de Budapeste. Volta a desaparecer no tumulto da segunda guerra mundial. E volta a ressurgir, de novo na capital francesa, nos anos 50, indo parar às mãos de Sylvia Bataille, primeira mulher de Georges Bataille (autor do livro O Erotismo), depois casada com o psicanalista Jacques Lacan, e actriz-protagonista do filme de Jean Renoir, La Partie de Campagne (1936). O casal Lacan manteve a tela guardada na sua casa de campo ao longo de décadas e um familiar de Sylvia decidiu dissimular a crueza da sua representação sobrepondo-lhe, numa porta de correr, de madeira, o desenho de uma paisagem chinesa – era uma espécie de jogo e desafio para os observadores mais voyeuristas; e era também, num certo sentido, a materialização da teoria de Bataille, que dizia que o erotismo está não naquilo que se mostra, mas naquilo que se esconde. Depois da morte de Sylvia Bataille, a obra foi doada ao Estado francês, que o recuperou e depositou no Museu d’Orsay." (lê o texto completo aqui)

"Esta tela surge assim como um manifesto contra o academismo mas também contra a falsidade vigente na Arte e na Sociedade oitocentista. Representa a libertação definitiva do artista de todos os estereótipos! Significativo é o facto da polémica se ficar a dever ao tema e à forma como foi abordado e não às qualidades pictóricas do quadro - se estava bem pintado ou não. A Origem do Mundo foi uma obra inspirada, visionária talvez, um acto estético da maior importância e uma obra de arte de primeira grandeza. A Pintura Moderna talvez tenha começado aqui, com origem no sexo de uma mulher." (continua aqui)

Todo o Amor do Mundo | A Naifa

João Aguardela 1969- 2009



Letra de José Luís Peixoto
[ todo o amor do mundo não foi suficiente porque o amor não serve de nada. ficaram só
os papéis e a tristeza, ficou só a amargura e a cinza dos cigarros e da morte.
os domingos e as noites que passámos a fazer planos não foram suficientes e foram
demasiados porque hoje são como sangue no teu rosto, são como lágrimas.
sei que nos amámos muito e um dia, quando já não te encontrar em cada instante, em cada hora,
não irei negar isso. não irei negar nunca que te amei. nem mesmo quando estiver deitado,
nu, sobre os lençóis de outra e ela me obrigar a dizer que a amo antes de a foder.

José Luís Peixoto, A Criança em Ruínas ]





"Reabro as portas do poema" | Nuno Júdice

Reabro as portas do poema, portas de ouro
Da estrofe, e entro num chão de terra negra,
Pisando a cinza de quem ali viveu.

Tu, Camões, com a lenta memória de amigas
E madrugadas, levantas-te de um sepulcro
De rimas e mágoas, com as mãos cansadas.

E tu, Garrett, suando o ócio de amores e
Desamores, já não corres pelos campos
Onde viveste para nunca mais.

Mesmo tu, Antero, cujo tédio se estende
Pelas paredes onde jazem Cristos estéreis,
Perdeste o impulso da oração.

Puxo-vos para dentro das palavras. E ouço
O murmúrio que escorre dos lábios,
Como um salmo que o poema repete.


Nuno Júdice (n. 1949)


# E se... um outro final para Amor de Perdição

Depois de uma série de peripécias, que não interessa agora relatar, Simão e Teresa acabaram por ficar juntos, tal como ambicionavam. Já com quatro filhos, ambos de relações cortadas com os seus pais e a viverem do rendimento mínimo, continuavam juntos, mas já sem tanto amor, pois Simão, na realidade, tinha um feitio difícil. Simão era ciumento e conflituoso e não ajudava em casa.
Os dias iam passando, mas a verdade é que tanto um como outro já estavam fartos da vida que levavam. A intensidade inicial da relação esmoreceu. Teresa, já desesperada, começou envenenar a comida de Simão, como forma de acelerar a natureza. Um mês depois, Teresa enviuvou.
Agora que se encontrava sozinha com quatro filhos, decidiu ir ter com o seu pai. A princípio, ele hesitou em recebê - la, mas depois de conversar e ver os netos perdoou-a.
Visto que já tinham feito as pazes, foi viver com os seus filhos para casa do pai. Finalmente, Teresa estava em paz. Tinha uma vida calma, com tudo a que foi habituada.
No fundo, Teresa percebeu que às vezes as coisas não são tão “ bonitas “ como parecem, e uma família é insubstituível, enquanto que um homem…
O amor vai e vem, é algo que o Ser Humano necessita, mas nem sempre vale a pena o sofrimento que as pessoas passam por amar.

Jéssica Ferreira

Livros até ao infinito

Untiteld, 2005, por Job Koelewijn
A ler para a próxima aula:

Gabriella: O bilhete de Identidade, conto de Paulo Kellerman, que faz parte do livro Silêncios entre Nós.
Bruna: Sempre é uma companhia, conto de Manuel da Fonseca, que faz parte do livro O Fogo e as Cinzas.
Gabriela: Mestre Finezas, de Manuel da Fonseca, que faz parte do livro Aldeia Nova.
Joana: Um conto, à escolha, da colectânea Contos Vagabundos, de Mário de Carvalho.
Tiago: um conto da colectânea de contos Gastar as Palavras, de Paulo Kellerman.
Jéssica: Uma simples flor nos teus cabelos claros, de José Cardoso Pires (conto que faz parte do livro recentemente reeditado Histórias de Amor.
A Juliana levou Davam grandes passeios ao Domingo, de José Régio, e E os costumes disse nada, de David Mourão-Ferreira.


O Rui e a Sandra estão a "saramaguear" (e muito bem!).
Depois de o Rui, o Tiago e a Juliana terem lido o Ensaio sobre a Cegueira, chegou a vez da Sandra. O Rui agora está a acompanhar A Viagem do Elefante.
A Jéssica, ainda antes de ler Uma Abelha na Chuva, de Carlos de Oliveira, vai ler Tarde demais Mariana, de Filomena Cabral. A Cátia está a ler Tristes Armas, de Marina Mayoral.


É claro que estão todos a ler e ou a reler Os Maias de Eça de Queirós.

RTP2, Domingo, 22.30 | Coração Independente


"CORAÇÃO INDEPENDENTE, o documentário de Joana Cunha Ferreira com a artista Joana Vasconcelos, será exibido este domingo, dia 18 de Janeiro, às 22h30 na RTP2, depois da sua estreia mundial na 13ª edição do Festival ARTE CINEMA em Nápoles, um dos mais conceituados festivais de filmes sobre arte e artistas em todo o mundo, e da abertura dos Estados Gerais do Documentário da última edição do DocLisboa. O filme estará também no FIPA (Festival Internacional de Programas Audiovisuais) que tem lugar em Biarritz, França, de 20 a 25 de Janeiro próximo.

CORAÇÃO INDEPENDENTE é um retrato da artista Joana Vasconcelos, uma das mais originais e internacionais artistas portuguesas da sua geração. Ao longo de vários meses (de Maio a Outubro de 2007), o filme acompanha o desenvolvimento do seu trabalho e a reflexão que sobre ele a artista faz e a forma como depois o acompanha nas suas apresentações públicas. É o caso da sua mais recente obra de grande dimensão, o sapato “Dorothy”, que vemos nascer no seu atelier e acompanhamos depois na sua primeira exposição pública aquando da Bienal de Veneza do ano passado, onde também expôs a colcha “Donzela”, na fachada do Palazzo Lucchesi. Mas também a grande exposição antológica da sua obra que teve lugar na New Art Gallery, em Walsall, Inglaterra.

CORAÇÃO INDEPENDENTE é uma co-produção da Midas Filmes com a RTP2 e teve o apoio do Instituto Camões, da Fundação Gulbenkian e o investimento do FICA - Fundo de Investimento no Cinema e Audiovisual.

CORAÇÃO INDEPENDENTE será exibido no cinema em Março de 2009 com edição simultânea em DVD." (in Midas Filmes)

Para ver no Domingo!

O Albatroz | Baudelaire

O ALBATROZ

Por mera brincadeira, os homens de equipagem
Caçam enormes aves do mar, albatrozes
Que, indolentes, costumam seguir a viagem
Do navio percorrendo abismos tenebrosos.

Assim que sobre aquelas tábuas são largados
Os reis do céu azul, envergonhados, trôpegos,
Deixam cair, humildes, as imensas asas,
Que arrastam pelo chão, como remos já soltos.

Como está mole e frouxo o alado peregrino!
Ele, que tão belo foi, ei-lo cómico e feio!
Um espicaça-lhe o bico, usando o seu cachimbo,
E um outro, coxeando, imita o pobre enfermo!

O poeta é igual ao príncipe das nuvens
Que se ri do arqueiro e afronta a tempestade;
Exilado na terra e no meio dos apupos,
As asas de gigante impedem-no de andar.


in As Flores do Mal, BAUDELAIRE, Charles

Os marinheiros divertem-se aprisionando albatrozes, “enormes aves do mar” que, diz o sujeito lírico costumam “indolentes” seguir o navio. O homem dominador e mesquinho, aprisiona o rei do “céu azul”, cortando, desta forma, o voo do imenso pássaro. Quando o albatroz é aprisionado, perde a majestade, a elegância, a beleza. No navio, fica desajeitado, doente, risível e humilhado. Na última quadra, explicita-se a relação entre o poeta e o albatroz: o poeta é capaz de viver nas alturas, pois está familiarizado com a tempestade, e não se importa com o arqueiro. Mas, exilado na terra, em meio aos gritos de escárnio de seus algozes, torna-se impotente: “as asas de gigante o impedem de caminhar.” O pássaro é o símbolo da elevação, da pureza (branco), do espiritual; a tripulação do navio simboliza a massa humana mesquinha. Na terra, o poeta / albatroz sente-se desajustado e incompreendido. Como o pássaro, o poeta, de tanto desejar o absoluto torna-se incapaz e marginal, numa sociedade que se caracteriza por uma competitividade e um imediatismo feroz.