Os cinco sentidos, Relações Intertextuais



Jogo

Eu, sabendo que te amo,
e como as coisas do amor são difíceis,
preparo em silêncio a mesa
do jogo, estendo as peças
sobre o tabuleiro, disponho os lugares
necessários para que tudo
comece: as cadeiras
uma em frente da outra, embora saiba
que as mãos não se podem tocar,
e que para além das dificuldades,
hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
transportam, talvez, uma hipótese
de entendimento. É então que chegas,
e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de lágrimas,
e empurras-me para dentro, onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças.

Nuno Júdice




Os cinco sentidos, Relações Intertextuais


Os teus olhos
exigindo
ser bebidos

Os teus ombros
reclamando
nenhum manto

Os teus seios
pressupondo
tantos pomos

O teu ventre
recolhendo
o relâmpago

David Mourão-Ferreira


Serralves| Projecto com Escolas ... atenção à pg.7!


Clicar aqui e ver a página 7!

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A Gaivota, de Anton Tchékhov


"O título original da peça – Tchaïka (a gaivota) – pode evocar em russo o verbo tchaïat’, esperar vagamente, que contém em si um dos temas principais de A Gaivota: a ilusão, a decepção, a divagação, a desilusão, o facto de se estar virado para o futuro e de se esperar o irreal, ou de olhar para o passado, esperando que esse passado descubra uma esperança de ver nele o que aí não existia, uma reconciliação possível."
André Markowicz, Françoise Morvan
“Notes sur La Mouette”. In Pascal Rambert [et al.] – Lexi  ‑Textes. 
5: Inédits et Commentaires. Paris: L’Arche, 2001.



Há realmente muito amor nesta peça, embora em verdade se trate mais de amores desencontrados. Medvedenko ama Macha, que ama Tréplev, que ama Nina, que ama Trigórin, que ama Arkádina, amará e deixará de amar Nina, a qual apesar disso continuará a amá  ‑lo. Até o velho Sórin confessa a sua paixão  por Nina. E há também Polina que ama Dorn, sendo esposa de Chamráev. Só nestes dois últimos não parece haver sintomas de infecção desse vírus. Mas o amor que nas novelas surge como o remédio salvador que tudo redime, não parece ter aqui essa função. 
O papel redentor parece caber aqui à entrega a uma vocação, à confança em si próprio e nas suas capacidades para enfrentar e vencer as difculdades da vida. Nina, rapariguinha provinciana que vivia na ilusão da celebridade, do papel enaltecedor da arte, da criação, terá que passar pelo calvário do fracasso na sua carreira, da desilusão amorosa, para descobrir enfm a autenticidade da sua vocação e a sua força interior, para vencer as difculdades. Tréplev, flho de uma actriz famosa, que passou a vida meio abandonado pela mãe, apagado pela fama da grande actriz, entregue a si mesmo, vê no seu amor por Nina uma tábua de salvação, a única razão verdadeira para viver, e nem o relativo sucesso como escritor basta para o compensar da perda desse amor. [...] 
O tema principal da peça é pois o da ligação do artista com a vida, a ligação do homem com a realidade, decisiva também nos destinos das outras personagens: Trigórin, Tréplev, Arkádina, Macha e outras.    António Pescada aqui 

Questões linguísticas....


FÓRMULAS ESTILÍSTICAS 

Plural de modéstia:

Trata-se do  emprego dos verbos e pronomes na 1ª pessoa do plural (nós) em substituição da 1ª pessoa do singular (eu), como tratamento de humildade e proximidade com os leitores e ouvintes.  Frequente nos oradores dos mais diversos quadrantes ou em trabalhos científicos. Com esta fórmula linguística cria-se o efeito de expressão de um pensamento colectivo, suavizando o modo impositivo das afirmações.

Ex: Queremos, com isto, dizer que é nossa intenção fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para resolver o problema.

Plural majestático: 

Fórmula idêntica ao plural de modéstia. Há contextos em que este uso da 1ª pessoa do plural, que se pretende de proximidade, é preferentemente tomado como sinal de engrandecimento e elevação de quem o usa. O adjectivo “majestático” reporta-se à Idade Média, ao monarca que falava em nome da Nação e era a única voz com legitimidade para usar da palavra em nome de todos. A este plural também se chama, actualmente, “plural de modéstia”.

Ex: Nós, por graça de Deus rei de Portugal, declaramos ser nossa vontade aqui mandar erigir um templo que testemunhe esta nossa grande vitória.

Fórmulas de cortesia 

Imperfeito de cortesia: produz o efeito de distanciar cortesmente um pedido ou uma pergunta. (Queria um café, por favor.)
Terceira pessoa de cortesia: requerimentos dirigidos a pessoas de hierarquia superior (Palmira … solicita … / pede que lhe …)

A este propósito...


A Gaivota, de Anton Tchékhov no TNSJ


Trigórin
Estou só a tomar uma nota… Surgiu‑me um tema… (Escondendo o caderno.) Um tema para um pequeno conto: na margem do lago vive desde criança uma jovem, assim como você; gosta do lago como uma gaivota, e é feliz, e livre como uma gaivota. Mas por acaso apareceu um homem, viu ‑a e por não ter nada que fazer, destruiu ‑lhe a vida. Como a desta gaivota. 
in  A Gaivota, de Anton Tchékhov  

módulo 1 - Almeida Garrett

Módulo 1 _11ºD

Manifesto Anti-poetisa | Ana Luísa Amaral


Manifesto Anti-poetisa | Ana Luísa Amaral

Para a Maria Irene sobre «o sexo dos poetas», 
e recordando aquela que, engenhosamente, 
um dia escreveu «This was a Poet – It is That –».

Mais fácil é «a poet – it is that –»,
que a gramática nossa o não permite
e precisa dois gumes do estilete
– o que implicará sempre mais limite.

Mas, caso a regra for bem aplicada
(invertendo-se os termos da excepção),
porque não ler «poeta», feminino,
e masculino: ... vide conclusão?

Mas se poeta for quem mais repete
as quadras já ouvidas, recusando-
-as depois e repetidas, lembrando
utilidade imensa do estilete:

ou seja, a de espetar tais mil palavras
em cima de mil sílaba de mais,
sabendo que depois, uma palavra
é o que sobrará; e que das tais

mil e catorze sílabas só uma
lá caberá (no verso, quero dizer),
que de tanto esforçar e se perder,
acaba por às vezes ser nenhuma.

E se poeta for nem paciente
nem ausente de tal, que a paciência
em demasia: coisa de serpente,
como é do seu contrário a sua ausência.

E se poeta for... inútil mais,
que de ridículo este definir
se perderá por versos mais e tais
que o verso às tantas poderá partir.

Mas quando se partir, aí o verso.
E quando se partir, aí o lume:
avançar muito além do definir,
não distinguir essência de perfume.

E na ausência de final dourado,
tal como na ausência de terceto,
a conclusão: nem homem, nem mulher,
ou então: a «poeta» e o «poeto».

 Ana Luísa Amaral, revista DIACRÍTICA, Ciências da Literatura, n.º 22/3 (2008), 157-158
Programa de Literatura Portuguesa aqui.

Do livro ao filme: filme do Desassossego




a partir de "Livro do Desassossego", de Bernardo Soares 
realização João Botelho 
música Caetano Veloso, Carminho, Lula Pena, Ricardo Ribeiro e "Ópera Marcha Fúnebre para o Rei Luís Segundo da Baviera", de Eurico Carrapatoso (interpretação Angélica Neto, Elsa Cortez) fotografia João Ribeiro som Francisco Veloso  
direcção artística Sílvia Grabowski 
montagem João Braz  
interpretação Cláudio da Silva, Alexandra Lencastre, Ana Moreira, André Gomes, António Pedro Cerdeira, Carlos Costa, Catarina Wallenstein, Dinis Gomes, Filipe Vargas, José Eduardo, Luísa Cruz, Manuel João Vieira, Marcello Urgeghe, Margarida Vila-Nova, Miguel Guilherme, Miguel Moreira, Mónica Calle, Paulo Filipe, Pedro Lamares, Ricardo Aibéo, Rita Blanco, Rui Morisson, Sofia Leite, Suzana Borges  
produção Ar de Filmes 

TEATRO NACIONAL SÃO JOÃO - dias 7,8,9 de Outubro.


Folhas Caídas



Os últimos anos da vida de Garrett são dominados por uma paixão fatal por uma senhora casada da alta sociedade lisboeta, Rosa de Montufar, viscondessa da Luz, a inspiradora das Folhas Caídas (1853), livro que escandalizou a sociedade da época, na medida em que revelava, com exibicionismo, esses amores ilícitos, mas que constitui afinal a grande inovação do lirismo romântico.

Nas Folhas Caídas, o seu último livro de versos e aquele em que a vida e a poesia estão intimamente ligadas, a ponto de escandalizar e simultaneamente apaixonar os leitores da época, Garrett liberta-se completamente da formação arcádica e compõe uma obra inovadora e moderna, tanto pelo conceito de amor que nela canta ( uma devastadora paixão sensual), como pela métrica, inspirada na poesia popular, com predomínio da redondilha maior e menor, e o emprego de novos recursos estilísticos, por exemplo a sinestesia, em que precedeu os Simbolistas; mas, sobretudo, pelo tom directo, emotivo, coloquial.

A poesia das Folhas Caídas não é verdadeiramente lírica, mas dramática, pois nela se exprime um drama amoroso, e os desabafos do poeta são dirigidos a uma personagem, a mulher amada, cuja presença  está sempre implícita e tem de subentender-se, para que se possa compreender a técnica do “monólogo dialogado”, que caracteriza a grande maioria dos poemas desta obra. A técnica dramática evidencia-se ainda nos processos adoptados pelo autor ( antíteses, monólogos, diálogos subentendidos, apóstrofes, interrogações, invocações), no nível de língua ( linguagem oral e familiar) e no emprego dos verbos no Presente do Indicativo.  (Maria Ema T. Ferreira)



GOZO E DOR

Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
– Não. Ai não; falta-me a vida;
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso do gozo é dor.

Dói-me alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua beleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.

É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida – ou a razão.

Almeida Garrett

Serralves| Projecto com Escolas ... e o tema é...


CIDADES: PERCURSOS, INTERVENÇÕES, AFECTOS

CIDADES é o tema do projecto com escolas em 2010/2011. Propõe-se uma pesquisa sobre o espaço urbano, tendo em conta a complexa rede de inter-relações entre as dimensões física, social, económica e afectiva. O processo de trabalho em parceria com as escolas implicará uma vontade colectiva de equacionar e negociar propostas concretas de intervenção/transformação dos lugares que habitamos, de modo a passar da esfera meramente discursiva à acção, da teoria à prática. Conceitos tais como os de habitabilidade e sustentabilidade serão importantes no debate que pretendemos gerar, sempre numa perspectiva multidisciplinar, que cruza referências da arte e da arquitectura, da geografia, da sociologia e das ciências do ambiente, sem esquecer a aproximação criativa e atenta à obra de artistas cujas práticas revelam preocupações neste âmbito. O projecto terá diferentes níveis de abordagem, consoante as faixas etárias de cada grupo, privilegiando, no caso dos mais novos, uma vertente lúdica e exploratória.
Público-alvo: do pré-escolar ao ensino secundário

A Gaivota, de Anton Tchékhov



A estreia foi um fiasco, em São Petersburgo, corria o ano de 1896. Reza a história que Anton Tchékhov abandonou o teatro jurando a si mesmo não voltar a escrever para o palco. No final da temporada, a peça era já um êxito e acabaria por se tornar o emblema do Teatro de Arte de Moscovo de Stanislavski e companhia. Que assim tenha acontecido não deverá surpreender, pois que é a contradição – entre sucesso e fracasso, como entre sonho e realidade ou entre as convenções e as “novas formas” – que atravessa A Gaivota, peça com que o TNSJ abre a temporada 2010/2011. Rodeado pelos seus mais regulares colaboradores, Nuno Cardoso acerca-se deste teatro que fala de si próprio e ama a vida toda, acrescentando à sua galeria de belos vencidos as personagens de Tréplev, Arkádina, Nina e Trigórin – criaturas que persistem em colocar a fasquia da existência muito acima da sua capacidade de impulsão, gente irresistivelmente votada ao fracasso, ou a descobrir a insuficiência de todo o êxito. É o regresso de Nuno Cardoso ao universo do dramaturgo russo, depois de nos ter surpreendido com Platónov, produção do TNSJ considerada pelo jornal Público como o melhor espectáculo teatral de 2008, também merecedora de uma Menção Especial da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro. “Subimos o pano às nove e meia em ponto, quando nasce a lua.” daqui