Manifesto Anti-poetisa | Ana Luísa Amaral


Manifesto Anti-poetisa | Ana Luísa Amaral

Para a Maria Irene sobre «o sexo dos poetas», 
e recordando aquela que, engenhosamente, 
um dia escreveu «This was a Poet – It is That –».

Mais fácil é «a poet – it is that –»,
que a gramática nossa o não permite
e precisa dois gumes do estilete
– o que implicará sempre mais limite.

Mas, caso a regra for bem aplicada
(invertendo-se os termos da excepção),
porque não ler «poeta», feminino,
e masculino: ... vide conclusão?

Mas se poeta for quem mais repete
as quadras já ouvidas, recusando-
-as depois e repetidas, lembrando
utilidade imensa do estilete:

ou seja, a de espetar tais mil palavras
em cima de mil sílaba de mais,
sabendo que depois, uma palavra
é o que sobrará; e que das tais

mil e catorze sílabas só uma
lá caberá (no verso, quero dizer),
que de tanto esforçar e se perder,
acaba por às vezes ser nenhuma.

E se poeta for nem paciente
nem ausente de tal, que a paciência
em demasia: coisa de serpente,
como é do seu contrário a sua ausência.

E se poeta for... inútil mais,
que de ridículo este definir
se perderá por versos mais e tais
que o verso às tantas poderá partir.

Mas quando se partir, aí o verso.
E quando se partir, aí o lume:
avançar muito além do definir,
não distinguir essência de perfume.

E na ausência de final dourado,
tal como na ausência de terceto,
a conclusão: nem homem, nem mulher,
ou então: a «poeta» e o «poeto».

 Ana Luísa Amaral, revista DIACRÍTICA, Ciências da Literatura, n.º 22/3 (2008), 157-158

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