Golgona Anghel



Vim porque me pagavam,
e eu queria comprar o futuro a prestações.

Vim porque me falaram de apanhar cerejas
ou de armas de destruição em massa.
Mas só encontrei cucos e mexericos de feira,
metralhadoras de plástico, coelhinhos de Páscoa e pulseiras
de lata.

A bordo, alguém falou de justiça
(não, não era o Marx).
A bordo, falavam também de liberdade.
Quanto mais morríamos,
mais liberdade tínhamos para matar.

Matava porque estavas perto,
porque os outros ficaram na esquina do supermercado
a falar, a debater o assunto.

Com estas mãos levantei a poeira
com que agora cubro os nossos corpos.

Com estas pernas subi dez andares
para assim te poder olhar de frente.

Alguém se atreve ainda a falar de posteridade?
Eu só penso em como regressar a casa:
e que bonito me fica a esperança enquanto apresento em direto
a autópsia da minha glória.

***


Poeta na Praça da Alegria:
Não sou infeliz. Não, não me quero matar.
Tenho até uma certa simpatia por esta vida~
passada nos autocarros,
para cima e para baixo.
Gosto das minhas férias
em frente da televisão.

Adoro essas mulheres com ar banal
que entram em direto no canal
Gosto desses homens com bigodes e pulseiras grossas.
Acredito nos milagres de Fátima
e no bacalhau com broa.
Gosto dessa gente toda.

Quero ser um deles.

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