Magro, de olhos azuis,
carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno:
Incapaz de assistir num
só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:
Devoto incensador de
mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento
E somente no altar amando os frades;
Eis Bocage, em que luz
algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
Bocage
AUTORRETRATO
O'Neill( Alexandre ), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.Se a visagem de tal sujeito é o que vês
( omita-se o olho triste e a testa iluminada )
o retrato moral também tem os seus quês
( aqui uma pequena frase censurada...).No amor? No amor crê ( ou não fosse ele O'Neill )
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito ) das maneiras milque são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe demais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse...
Alexandre O'Neill
Retrato Talvez Saudoso da Menina Insular
Tinha
o tamanho da praia
o corpo era de areia.
E ele próprio era o início
do mar que o continuava.
Destino de água salgada
principiado na veia.
E quando as mãos se estenderam
a todo o seu comprimento
e quando os olhos desceram
a toda a sua fundura
teve o sinal que anuncia
o sonho da criatura.
Largou o sonho nos barcos
que dos seus dedos partiam
que dos seus dedos paisagens
países antecediam.
E quando o seu corpo se ergueu
Voltado para o desengano
só ficou tranqüilidade
na linha daquele além.
Guardada na claridade
do olhar
Natália Correia
Autorretrato
Este que vês, de cores desprovido,
o meu retrato sem primores é
e dos falsos temores já despido
em sua luz oculta põe a fé.
Do oculto sentido dolorido,
este que vês, lúcido espelho é
e do passado o grito reduzido,
o estrago oculto pela mão da fé.
Oculto nele e nele convertido
do tempo ido escusa o cruel trato,
que o tempo em tudo apaga o sentido;
E do meu sonho transformado em ato,
do engano do mundo já despido,
este que vês, é o meu retrato.
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Ana Hatherly
Autorretrato
Poeta é certo
mas de cetineta
fulgurante de
mais para alguns olhos
bom artesão na
arte da proveta
narciso de
lombardas e repolhos.
Cozido à
portuguesa mais as carnes
suculentas da
autoimportância
com toicinho e
talento ambas partes
do meu caldo
entornado na infância.
Nos olhos uma
folha de hortelã
que é verde como
a esperança que amanhã
amanheça de vez
a desventura.
Poeta de combate
disparate
palavrão de
machão no escaparate
porém morrendo
aos poucos de ternura.
Ary dos Santos