woman staring blankly, Edward Hopper
ALBA
Levad', amigo, que dormides as manhanas frías;
Alba
Olhavam-se, viera com os outros,
ficava depois de terem ido.
Viam-se no mesmo espelho os dois.
Uma alegria dolorosa calava-se.
Os autocarros voltavam a ouvir-se
para além do parque.
A medo prendiam os olhos a sorrir.
Desapertavam os atacadores.
Abriam os colarinhos. Perdiam-se
no ardente tecido em redor do peito.
Na raiz do sexo o sobressalto
da primeira claridade nos estores.
A mistura de sorte e de prazer
a que chamamos o bem.
ALBA: Cantiga que tem por tema o amanhecer e a consequente separação dos amantes, que amaldiçoam a brevidade da noite. Pode ser encontrada em quase todas as literaturas. Na lírica galego-portuguesa, encontram-se exemplos nas cantigas de amigo, aparecendo a composição de Nuno Fernandez Torneol, Levad'amigo que dormides as manhanas frias, como a obra-prima do género entre nós. O género foi trabalhado ao longo dos séclos: John Donne escreveu "The Sunne Rising" e Shakespeare introduz uma alba em Romeu e Julieta (Acto III, cena v). Muitos poetas contemporâneos retomam o género em versões modernas. Natália Correia, por exemplo, escreveu uma "Alba", que começa assim: "No laranjal laranjedo / A lua florida estava. / Sonhando estava o guerreiro / Que em meus braços repousava. / Comigo sonha o guerreiro, / Não venha acordá-lo a alva."
ALBA
Levad', amigo, que dormides as manhanas frías;
toda-las aves do mundo d'amor dizían.
Leda m'and'eu.
Levad', amigo, que dormide-las frías manhanas;
toda-las aves do mundo d'amor cantavan.
Leda m'and'eu.
Toda-las aves do mundo d'amor dizían;
do meu amor e do voss'en ment'havían.
Leda m'and'eu.
Toda-las aves do mundo d'amor cantavan;
do meu amor e do voss'i enmentavan.
Leda m'and'eu.
Do meu amor e do voss'en ment'havían;
vós lhi tolhestes os ramos en que siían.
Leda m'and'eu.
Do meu amor e do voss'i enmentavan;
vós lhi tolhestes os ramos en que pousavan.
Leda m'and'eu.
Vós lhi tolhestes os ramos en que siían
e lhis secastes as fontes en que bevían.
Leda m'and'eu.
Vós lhi tolhestes os ramos en que pousavan
e lhis secastes as fontes u se banhavan.
Leda m'and'eu.
Nuno Fernandez Torneol (séc. XIII)
Leda m'and'eu.
Toda-las aves do mundo d'amor dizían;
do meu amor e do voss'en ment'havían.
Leda m'and'eu.
Toda-las aves do mundo d'amor cantavan;
do meu amor e do voss'i enmentavan.
Leda m'and'eu.
Do meu amor e do voss'en ment'havían;
vós lhi tolhestes os ramos en que siían.
Leda m'and'eu.
Do meu amor e do voss'i enmentavan;
vós lhi tolhestes os ramos en que pousavan.
Leda m'and'eu.
Vós lhi tolhestes os ramos en que siían
e lhis secastes as fontes en que bevían.
Leda m'and'eu.
Vós lhi tolhestes os ramos en que pousavan
e lhis secastes as fontes u se banhavan.
Leda m'and'eu.
Nuno Fernandez Torneol (séc. XIII)
Edward Hopper
Alba
Para Fátima Maldonado
Olhavam-se, viera com os outros,
ficava depois de terem ido.
Viam-se no mesmo espelho os dois.
Uma alegria dolorosa calava-se.
Os autocarros voltavam a ouvir-se
para além do parque.
A medo prendiam os olhos a sorrir.
Desapertavam os atacadores.
Abriam os colarinhos. Perdiam-se
no ardente tecido em redor do peito.
Na raiz do sexo o sobressalto
da primeira claridade nos estores.
A mistura de sorte e de prazer
a que chamamos o bem.
Joaquim Manuel Magalhães (séc. XXI)
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