ÁLBUM
Na minha família ninguém morreu de amor. Se alguma coisa houve não passou de historieta. Tísicas de Romeu? Difterias de Julieta? Alguns envelheceram até ganhar bolor. Ninguém a definhar por falta de resposta a uma carta molhada e dolorosa. Apareceu sempre por fim algum vizinho com lunetas e uma rosa. Ninguém a desfalecer no armário de asfixia de algum marido voltando sem contar. E os mantos e os folhos e as fitas de apertar a nenhuma impediram de ficar na fotografia. E nunca no espírito satânico de Bosch! E nunca pelos quintais de arma em punho! De bala na cabeça teve a morte outro cunho e em macas de campanha alguém os trouxe. De olheiras fundas como após grande folia, até esta aqui de carrapito extático, se fez ao largo em grande hemorragia mas não por ti, ó bailarino, e com viático. Talvez antes do daguerreótipo, alguém, mas dos deste álbum, ninguém, que eu verifique. Tristezas dissiparam-se, os dias sucederam-se, e eles, reconfortados, sumiram-se de gripe.
in Paisagem com Grão de Areia de Wislawa Szymborska. Tradução de Júlio Sousa Gomes Relógio d'Água Editores, Junho de 1998. |
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