Milly chéri
tenho coisas
para te dizer
de viva voz
cartas de amor
nunca mais
agora só escrevo
cartas comerciais
Não quero
ter filhos
gosto muito
de foder
contigo
e com outros
mas de bebés
não gosto
uma vez
por outra
tem graça
mas sempre
não
os bebés deprimem-me
se engravidar
faço abortos
por muito
que me custe
e custa-me
muito
(um bebé é dom
do Espírito Santo)
Ficas
no castelo de Beja
e eu aqui
no convento
com vento
(as janelas
fecham mal
estão empenadas)
há uma passagem
subterrânea
como nos romances
que liga
castelo e convento
o outro é o Céu
com peúgas
e cuecas sujas
Antes de chegares
pensava assim
mesmo que Milly volte
não quero foder
o feitio das unhas dos pés
e a implantação dos cabelos
na nuca
do meu Milly chéri
mais tarde
ou mais cedo
vão-me meter nojo
nunca mais danço
nunca mais dou beijos
mas quem não pensa
em foder
está fodido
mas agora
quero foder contigo
Portanto Milly chéri
és muito bem vindo
a mulher ( eu )
deixa
pai e mãe
e apega-se
ao homem ( tu )
e são ambos
uma carne
Adília Lopes
“Acho que era a Sylvia Plath que estava convencida, por volta de 1950, que para escrever romances era preciso ter amantes e fazer viagens. É um mito, isso dos amantes e das viagens. Pode--se ser feliz e escrever romances sem ter amantes e sem fazer viagens. Mais importante que amantes e viagens é ter um espaço próprio, um domínio, um território, uma casa, pelo menos um quarto com privacidade, como muito bem viu Virginia Woolf. Para ser feliz não é preciso foder, ao contrário do que apregoam as revistas. Neste meu tempo de horror económico, parece que tudo gira à volta das fodas. [...] Mas não condeno quem sinceramente dá beijos e abraços e faz coitos e faz filhos e faz abortos e depois sofre com isso e se perde neste massacre quotidiano que é a foda obrigatória, o perder a virgindade obrigatório antes dos 17 anos, o orgasmo, os super-bebés. Isto é tudo tão ridículo! E é trágico.”
Adília Lopes, Obra (pg.463)
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