Marcel Duchamp



" Vivia-se o mês de Abril de 1917 em Nova Iorque. A história de Fountain [FONTE] começou com a ideia de se fazer uma exposição – a primeira da Sociedade de Artistas Independentes, que tinha dois objectivos primordiais: por um lado, recuperar o espírito do Armory Show e por outro contrapor-se ao conservadorismo dos júris da National Academy of Design. O intuito da exposição, com o mote: “No jury, no prizes”, era o de permitir que mediante o pagamento de seis dólares qualquer artista pudesse expor naquele espaço sem censura nem qualquer tipo de avaliação. À partida, seria mais uma expressão de liberdade artística, tão vaticinada pelas vanguardas num tempo que se desejava fervoroso. No entanto, assim não aconteceu. Entre as obras concorrentes, encontrava-se um urinol invertido, assinado por um desconhecido – R. Mutt – e datado. A braços com o dilema de expor “um objecto que podia ser útil, mas não numa exibição de arte” ou não o expor e com isso trair os princípios do evento, os “Independentes” optaram pela segunda via.[...] Quais as intenções de Marcel Duchamp ao orquestrar meticulosamente toda esta situação? Em primeiro lugar, o seu trabalho caminhava há alguns anos para o questionamento dos valores tradicionais da arte.
No início da era da reprodutibilidade, como mais tarde Walter Benjamin lhe chamará, Duchamp compreendeu que o valor da arte não poderia continuar a estar dependente do valor de “unicidade” ou “original”. O impacto da reprodução mecânica tinha de chegar à arte, não somente pela via directa como pelas alterações conceptuais que comportava. Era por isso necessário começar a relativizar a importância do objecto ou da obra em si, que aliás no caso de Fountain, não chegou a ser táctil para a grande maioria do público.Este urinol era um produto industrial, como tal, reproduzido de forma serial e impossível de distinguir de todos os outros. O acto de o escolher e de o tentar colocar num espaço dedicado à arte, conferiu-lhe um estatuto diferente, isolando-o dos restantes. A partir do momento em que um artista concedeu a sua identidade à obra, houve uma intervenção sobre a mesma. Precisava contudo de uma autoria ou marca de autor que a validasse, de um contexto e de uma instituição de arte que a acolhesse e assim abrisse portas ao seu encontro com o espectador.[...]
Duchamp não inverteu somente o urinol. Ao fazê-lo, retirou-lhe à partida a carga utilitária que tinha. Intitulou-o de "FONTE", à qual associamos a ideia de verter liquido e não de receber, como o caso de um urinol. Mas ainda mais importante, foi a inversão dos conceitos que esta atitude suscitou: não se tratou de um original, não foi criado pelas mãos de um artista, não se regeu prioritariamente por noções de estética, fossem elas quais fossem. Por outro lado, tal como Arthur Danto notou, Fountain e em geral o próprio conceito de ready-made abalaram a teoria da arte ao deixar de permitir que um objecto de arte se distinguisse de um objecto comum, que entre dois objectos com a mesma origem, função e aparência, um pudesse pertencer ao mundo da arte e outro não."
(Cristina Pratas Cruzeiro, in Duchamp , o Moderno Contemporâneo)

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Marcel Duchamp chama readymades aos objectos artísticos criados a partir de objectos comuns (objectos que normalmente não são considerados obras de arte). A assinatura, que torna a obra individual e irredutível, é colocada precisamente sobre o objecto. Deste modo, questiona-se provocatoriamente o conceito de essência da arte, tal como era entendido desde o Renascimento, isto é, como criação individual deobras singulares.

Saber mais: http://www.understandingduchamp.com/

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