COMO SE FAZ UM POEMA? | Adília Lopes


COMO SE FAZ UM POEMA?


Apanhei o cabelo
em rabo de cavalo
agora a minha solidão
vê-se melhor
vê-se tão bem
como a minha face

E a minha face
é desassombrada
as sombras
não são minhas


Adília Lopes



Tive um esgotamento psíquico no Natal e estou a escrever isto no princípio da Primavera. Sinto que ainda não estou bem. Peço desculpa por o texto ser breve e aos satlos, aos trambolhões.

Escrevo sempre por inspiração e num impulso. Sophia de Mello Breyner Andresen diz muito melhor do que eu o que é e como é para mim escrever um poema. Está tudo em "Arte Poética IV" de Dual.

O poema que ilustra e encima este meu texto foi escrito da seguinte maneira que passo a registar.

Eu vivo de uma maneira sofrida actualmente porque tenha uma doença psíquica, posso vir a ter dificuldades de dinheiro e o mundo não está cor-de-rosa. O dia a dia é muito sofrido. Desde que o meu pai morreu que decidi deixar crescer o cabelo que usei sempre muito curtinho durante 21 anos seguidos. Passados dois anos e só dois pequenos acertos do cabelo, decidi experimentar fazer rabo de cavalo. Comprei um elástico e quatro ganchos. Essa compra motiva o poema, a meu ver.

O poema surge assim de minha vida presente e passada. É autobiográfico à sua maneira. Já não uso rabo de cavalo. Surge da leitura. E surge da Sophia. Decalquei o poema "Soror Mariana - Beja", de O nome das coisas.

SOROR MARIANA - BEJA


Cortaram os trigos. Agora
A minha solidão vê-se melhor.


A expressão "em rabo de cavalo" é o quotidiano. As minhas grandes influências, que admito e reconheço, são Sophia, Ruy Belo e Sylvia Plath. Foi com eles que comecei a escrever e é com eles e por eles que continuo a escrever e a ler.

Eu tenho a minha vida, mas assim como digo "Bom dia!" e a expressão "Bom dia!" não é de minha autoria, alguém a inventou muito antes de mim, a minha poesia é como se não fosse minha. Sinto-me despojada, desapossada, despossuída da minha poesia. O que faço é conviver: pôr a minha vida em comum.

A ideia das sombras e do desassombro não é também minha. Um namorado dizia a certa altura que havia menos sombras em mim, o que me fez ver que tinha havido e que havia sombras em mim. Um programador de televisão falou de desassombro a respeito de algumas das minhas prestações televisivas.

A minha poesia é uma poesia ao quadrado. Fiz uma metáfora de uma metáfora: em vez de trigos cortados, o cabelo apanhado em rabo de cavalo. Acrescentei um capitel: as sombras. Onde a Sophia viu paisagem, eu vi o meu corpo.

(publicado originalmente na revista Relâmpago número 14, de Portugal e em 2008 na revista Inimigo Rumor nº 20).

Missão Possível (balanço)

6ª EDIÇÃO DO SERRALVES EM FESTA

O maior festival de expressão artística contemporânea em Portugal, com uma duração de 40 horas consecutivas e com actividades para todas as idades, para todas as famílias e para a família toda.



ANIMAÇÃO NA BAIXA DO PORTO
29 e 30 Maio
COM O APOIO DA PORTO LAZER, E.M. – CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO
NA SEXTA-FEIRA, DIA 29 DE MAIO, COMEÇA A FESTA NAS RUAS DA BAIXA DO PORTO, COM TEATRO DE RUA, MÚSICA, CIRCO CONTEMPORÂNEO E PERFORMANCE.
No dia 29 de Maio, Sexta-feira, o programa começa com Música, às 12h30 no Metro da Trindade com o Grupo de Percussão da EPME.
Às 16h, na Rua de Santa Catarina, junto à Batalha, numa parceria com o FITEI temos Teatro de Rua com "Business Class".
Pelas 17h30, é vez de Circo Contemporâneo. Na Praça D. João I com "Les Étoiles: Petites Pièces Funambulesques" da Companhia Les Colporteurs.
À noite, às 23h, frente ao Café Piolho, voltamos a ter Música, com Vresion 3.5 (vencedor do concurso de projectos artísticos para o Serralves em Festa 2009).
Pelas 23h30, na Arcada da Reitoria da Universidade do Porto uma Performance, "Polar" de Labrador & P.MA (vencedor do concurso de projectos artísticos para o Serralves em Festa 2009).
E a encerrar o dia 29 de Maio, às 24h, novamente em frente ao Café Piolho, um Concerto para Maquinaria e Estados Liquidos, do Canal Zero (vencedor do concurso de projectos artísticos para o Serralves em Festa 2009).
No dia 30 de Maio a festa na Baixa continua, às 11h na Rua Santa Catarina com a Performance "Perfo(re)searches" do Colectivo L.I.B.A (vencedor do concurso de projectos artísticos para o Serralves em Festa 2009).

Das 8h da manhã de sábado, 30 de Maio, até às 24h de Domingo, 31 de Maio, o Parque, o Museu, o Auditório e a Casa de Serralves recebem mais de 80 actividades e mais de 300 artistas, em mais de 200 momentos de apresentação.
Estão representadas as áreas da música, dança contemporânea, performance, teatro, circo contemporâneo, cinema, vídeo, fotografia, oficinas, visitas orientadas e exposições.

O Livro das Comunidades | Maria Gabriela Llansol

"nesse lugar havia uma mulher que não queria ter filhos do seu ventre. pedia aos homens que lhe trouxessem os filhos de suas mulheres para educá-los numa grande casa de um só quarto e de uma só janela; usava um xaile preto junto de seu rosto; tinha uma maneira distante de fazer amor: pelos olhos e pela palavra. Também pelo tempo, pois desde os os tempos da sua bisavó, voltar a qualquer época era sempre possível. "

in O Livro das Comunidades, de Maria Gabriela Llansol

Feira do Livro


A Feira do Livro está de volta aos Aliados. De 27 de Junho a 14 de Junho muitos e bons livros a preços mais convidativos.

Horário:
2ª a 5ª Feira 12h30 às 20h30
6ª e véspera de feriados
12h30 às 23h00
Sábados
11h00 às 23h00
Domingo
11h00 às 22h00



Ah! As Brunas de Animação Sócio-Cultural começaram hoje a estagiar no Parque Biológico de Gaia e a primeira tarefa é no stand do Parque Biológico, na Feira do Livro. Bom trabalho!

A tão desejada foto...

A Cátia fez chegar ao blogue uma fotografia do Mário. Fotografia devidamente autorizada pela recém-mamã Maria João,.

SR. MILHÕES

Faça favor de estar quieto. Eu admiro-o. Quando se representou aquela sua peça – O Destino – disse logo comigo: que talento!

GOVERNADOR CIVIL

(desvanecido) Muito obrigado. O que vale neste mundo são as almas irmãs.

SR. MILHÕES

Só ele é capaz de me compreender, só ele é digno de morrer comigo.

GOVERNADOR CIVIL

Mau! Mau! Mau!

SR. MILHÕES

Na sua peça há cenas verdadeiramente shakespearianas – são as que não estão lá. Porque é necessário que o senhor saiba: os livros, as peças, a arte, enfim, só vale pelo que sugere. O que lá está em regra não presta para nada; o que cada um de nós constrói sobre a linha, a cor, e o som, é que é verdadeiramente superior. Por isso lhe perdoei todas as banalidades que tem escrito, e passei a admirá-lo. Pulverizando-o comigo e com o globo, realizo o pensamento dos mais altos filósofos. (O outro julgando-o entretido vai para fugir.) Fugir para onde? Não seja estúpido. Melhor é entrar comigo sem desvarios na categoria dos deuses. Elevo-o à categoria dos deuses.

GOVERNADOR CIVIL

Ó meu Deus! Ó senhor!. . .

SR. MILHÕES

Trr, trr, e sou adorado, sou magnífico, sou único. (Faz menção de tocar.)

GOVERNADOR CIVIL

Perdão! Perdão! Perdão! Ao menos outra morte! Estoirado não! Dê-me outra morte, uma morte onde o meu cadáver se possa sepultar com decência e em que haja possibilidade de me fazerem um enterro digno dum Governador Civil.

SR. MILHÕES

Ser pulverizado, pertencer ao cosmos, viajar nas nuvens, que melhor quer o senhor? Que mais quer o senhor?


[...]

SR. MILHÕES

Estou farto! Estou farto de me vestir todos os dias, de cumprimentar todos os dias, de dizer todos os dias que sim! Estou farto de sorrir e de fazer as mesmas coisas inúteis, que não condizem com a minha situação respeitável no universo. Eu não quero ser bicho; com a fortuna de que disponho e este talento que Deus me deu, não posso ser bicho – e tenho que confessar a mim que sou bicho. Eu e o macaco do Jardim Zoológico! Oh não! Oh não!

GOVERNADOR CIVIL

Eu endoideço! Eu endoideço!

SR. MILHÕES

Vou suprimir a vida, porque a vida mete-me medo, ouviste? Porque me mete medo. Fui sempre ridículo, mas nem sempre me senti ridículo. A vida foi sempre atroz, mas nem sempre a senti atroz. Quando dei pelo que ela tem de reles e de grotesco, de trágico e de grotesco, veio-me um vómito de tristeza. Vi-te e vi-me. Vi que a minha caridade era grotesca, que os meus deveres eram grotescos, com os dividendos a receber, os coupons a cortar, um cofre do tamanho desta sala e um guarda-portão eminente a distribuir seis vinténs à pobreza. Considerei-me abjecto. Abjectos e grotescos os laços de família, à espera do testamento e da cólica, e os mil e quinhentos que eu dava por mês à obra dos órfãos mutilados. Pior, pior. . . Olhei para mim, olhei para dentro de mim mesmo e ao mesmo tempo encarei com a Vida. Com esta coisa prodigiosa que é a Vida, feita para a desgraça, para a dor, para o sonho – e que dura um minuto, um só minuto --, e encontrei-me sórdido com as minhas inscrições a receber e as minhas décimas a pagar. Oh, um instante para deter isto, caótico e doirado, sôfrego e doirado! Um instante para sofrer, para lavrar a terra, para ser, enfim, o homem! E eu já não podia arrancar-me ao meu palácio com um guarda-portão fardado de ministro, nem fazer outra coisa senão abrir a boca com sono diante do cofre das inscrições de assentamento. De assentamento, repara bem. No mundo caótico onde se grita e se sonha, há inscrições de assentamento! Tu compreendes isto? Tu explicas isto?. . . Vi então o infinito lá em cima e vi-me a mim cá em baixo. Mais um passo e senti que acabava a vida a fazer paciências.

(O doido e a Morte, Raul Brandão)

Confesso que vivi (Grande Reportagem Sic)

O Doido e a Morte, de Raul Brandão

Raul Brandão

Nasceu em 1867 na Foz do Douro, e dedicou-se desde muito novo ao jornalismo, que lhe proporcionou um posto de observação da actualidade política e social, bases das suas reflexões filosóficas sobre as questões morais palpitantes. No recolhimento campestre da sua Casa do Alto, perto de Guimarães, povoado de gratas reminiscências da infância e de saudades dos mortos queridos, alternou os períodos febris de composição literária com as sedativas ocupações de pequeno proprietário agrícola. Estreou-se com Impressões e Paisagens (1890), uma colectânea de contos naturalistas. Colaborou depois na composição do folheto Nefelibatas (1893), e publicou no Correio da Manhã (1895 e 1896) reportagens impressionistas sobre os vícios e misérias da capital, e ensaios de crítica literária, em que propõe um conceito original de teatro, que "deveria debater um grande problema social ou psicológico", e interessar o público com "peças sintéticas" que fossem "populares e humanas". Realiza mais tarde este programa com peças como O Gebo e a Sombra, O Rei Imaginário, O doido e a morte (Teatro, 1923), e O Avejão (1929). As obras mais importantes da sua fase de maturidade foram: Os Pobres (1906), A Farsa (s.d.), Húmus (1917), O Pobre de pedir (1931), obras em que o literato cede lugar ao "velho filosófico", absorvido pela meditação sobre a condição humana. O seu estilo, essencialmente poético, é caracterizado pela ingenuidade sensorial e por uma sintaxe sem estruturação gramatical rigorosa, mas fremente de ritmos vitais significativos. Raul Brandão morre em Lisboa, em 1930.

(Dicionário da Literatura, 5 volumes, COELHO, Jacinto do Prado (dir.lit.), 3ªedição, Porto, Figueirinhas, vol.4, 1982, pp.122-123)


O Doido e a Morte, Raul Brandão O Doido e a Morte, Raul Brandão Helena