Aparição | Vergílio Ferreira
“E, todavia como é difícil explicar-me! Há no homem o dom perverso da banalização. Estamos condenados a pensar com palavras, a sentir com palavras, se queremos pelo menos que os outros sintam connosco. Mas as palavras são pedras.”
Ferreira, Vergílio Aparição , Bertrand ed.28ª ed, 1996, pg.44
— “Também fiz outra experiência, senhor doutor.
— Que experiência?
— Bem ... Não sei como explicar. É assim mastigar as palavras.
— Mastigar as palavras?
— Bem... É assim: a gente diz, por exemplo, pedra, madeira, estrelas ou
qualquer coisa assim. E repete: pedra, pedra, pedra” Muitas vezes e depois pedra já não quer dizer nada.
Como, Carolino? Sabes então já a fragilidade das palavras, acaso o milagre de um encontro através delas connosco e com os outros? E saberás o que vive em ti, o que te vive, e as palavras ignoram?”
Ferreira, Vergílio Aparição , Bertrand ed.28ª ed, 1996, pg.74.
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Um comentário:
Vergílio Ferreira é um dos nomes maiores da prosa nacional (tristemente esquecido nos tempos que correm), cuja obra me era estranha (excepção para “Manhã Submersa”, que por duas vezes li com intensa adoração e dor no peito), e consigo intuir a modernidade que este texto acolhe, numa época em que não se discutia a Pátria, nem a Família, nem a Religião, nem o Trabalho, sacrossantas entidades com letra maiúscula. Muito embora padeça hoje de alguma falta de frescura e novidade, “Aparição” foi um corte com o passado, uma provocação, um exercício de liberdade, um acto visionário de um grande escritor e de um grande homem (sei-o agora, após outras leituras). Há muitas razões para que qualquer pessoa que ame os livros se sinta impelida a conhecê-lo.
Bravo, cercARTE!
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