Maria Gabriella LLansol


Lovaina, 13 de Fevereiro de 1975.

o pano de renda sobre a mesa, em casa de Cristina. Rosas, renda que liga as rosas. Talvez tenha sido isto, fazer renda, que eu primeiro tenha desejado. No seu lugar, começarei a escrever. Pressinto que, de novo, haverá um momento em que preferirei ter traçado esta textura, a ter-me envolvido com a escrita.
Por que não o fiz?

Por que me envolvi precisamente nesta escrita?
Quando deixei de escrever histórias para alinhavar as passagens do Ser subtil das nossas vidas? Quando me devo ter apercebido que só na proximidade desse lugar, seguindo as bermas dessa passagem, a vida poderia alcançar as fontes da Alegria? Em que momento eu soube que só criando reais-não-existentes, como Augusto lhes chama, abriríamos acesso a essas fontes?

Fico perplexa ao ver que, fora do texto, esses reais são evanescentes. E que se perdermos, ficaremos reduzidos ao caos, sem cartografia.

Como o mundo aparece em estados de linguagem...
Como estes foram surgindo em formas fazendo-se...
Como se pode voltar lá, fazendo o desfazendo...

Devo concluir que nasci, à imagem de todas as mulheres, para fazer renda? A outra, a de Ariane? A dos fios de ouro que Ana de Peñalosa tece, escrevendo, para que não se perca o sentido perdido da batalha? e a longa ausência de seus filhos não seja exílio mas "partiram à descoberta?"

Conversava com Cristina que me dizia, mas eu só isto ouvi
o ciclo do Renascimento não está concluído;
ainda há tempo, para voltar ao seu começo, e reescrever-lhe um novo sentido.

Havia nela uma tal certeza, que me encontrei mais à vontade,
desviando o meu olhar do
dela
para a mesa
coberta
de renda.


LLansol, Maria Gabriella , Finita, Diário 2, ed. Rolim, 1987.

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