Pequena elegia chamada domingo | Eugénio de Andrade


Pequena elegia chamada domingo

O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos
estavam os montes e os rios
e as nuvens.
Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.

Hoje os montes e os rios
e as nuvens
não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios...)
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas.

Eugénio de Andrade

Um comentário:

azuki disse...

Amo a simplicidade das palavras de Eugénio de Andrade. Límpidas, elementares, musicais. Há imagens e sentires que se querem assim, crus, despidos, e que, sendo burilados, dispensam retóricas embrulhadas. Eugénio de Andrade tinha a obsessão pelas palavras certas; ele, que nunca seria capaz de escrever um poema onde se lesse “televisor”. Há um imenso labor por trás daqueles seus originais imaculados: “Sou capaz de passar oito horas à roda de um poema e no dia seguinte deitá-lo ao lixo. Sou capaz de não dormir por causa de um verso.” Tudo muito apurado, muito rigoroso, muito exigente. Porque a simplicidade é sempre o mais difícil de atingir.