ESTE PORTUGAL - Sagrado e Profano


ESTE PORTUGAL

As noivas
De Santo António
Que exigem
Casar
Com Santo António

À porta
Do tribunal
A Eva
Do Natal
Que dá
Um andar
Que não é
Uma cave

Adília Lopes


A RELIGIÃO

"Foi no habitual mês de festas, romarias e regressos dos emigrantes para as vacances que o País se pôs a cantarolar o Pimba, já lá vão onze anos. A moda pegou. E logo o termo foi adoptado para catalogar, a bem ou a mal, a nova roupagem da cantiga popularucha, de rima fácil, brejeira, provocadora.
A velha canção melosa e delicodoce ganhou então mais frenesim, baloiço de ancas e atrevimento. À conta disso, Miguel Gomes, 34 anos, realizador, anda por Arganil, a recolher imagens de arraiais e festas. «Já filmei uma banda que tinha um bebé de seis meses em palco», diz o cineasta, apostado, nesta fase, no registo documental para o seu filme Aquele Querido Mês de Agosto.
O melodrama é inspirado numa cantiga do mítico Dino Meira. O fundo musical é pimba. Ou, como prefere Miguel, «a música ligeira, romântica que se faz por aí». Para este trabalho, já ouviu mais de 300 canções e até ficou fã do grupo Diapasão. «Não tenho um olhar maldoso sobre este universo. Os sentimentos das pessoas que ouvem e gostam destas músicas são tão intensos e complexos como os de quem ouve Bach». Se assim não fosse, Carina António, de 22 anos, nunca iria em peregrinação até à Palhaça, por ocasião das festas da Senhora da Memória. Óculos, cara redondinha, a jovem viajou de Santarém até àquela freguesia de Oliveira do Bairro numa noite de segunda-feira para assistir ao seu enésimo concerto de Tony Carreira, o quebra-corações do momento. «Sigo-o para todo o lado, até faço directas para chegar cedo ao restaurante onde trabalho. Mas ele compensa tudo», diz, segurando um álbum com dezenas de fotos de Tony e do saxofonista Vítor, mais conhecido como o Brad Pitt do Seixal.
Entradas a cinco euros, barracas à nora com as bifanas, tendas com Noddys de pilhas, um terreiro quase às escuras e acidentado, eis o cenário no qual se enlataram casais com carrinhos de bebé, velhinhos de muletas e pares de namorados. Na assistência, vêem-se coelhinhos de peluche, rosas, cartazes com declarações de amor e um enxame de máquinas digitais e telemóveis a flashar o cantor. Este, primeiro de fato escuro às riscas, e depois já de ganga e camisa vermelha, ouve gritinhos enquanto pede mãozinhas no ar. «Cavaleiro andante, de abrigo em abrigo», Tony passa, nas suas músicas, a ideia de «eterno vagabundo».
Elas gostam. E engrossam a fila para os autógrafos. Um aparato tal que «nem no Estádio do Dragão se vê tanta segurança», ouvia-se.
O cantor, esse, esteve blindado. Quando o staff do mais-que-tudo da canção romântica quis impor a escolha das fotografias para a reportagem, o nosso papel na Palhaça esgotou-se.
Se a clausura fosse proporcional ao sucesso, Roberto Leal já estaria num altar ou fechado a sete chaves como uma freira carmelita.Não é o caso.
Quinze milhões de discos vendidos depois, o português com o sotaque mais famoso do País continua tão acessível como o cidadão António Joaquim Fernandes, natural de Vale da Porca, que um dia rumou ao Brasil e adoptou o nome artístico de Roberto Leal. Em São Martinho de Anta, ele entrou em cena às duas da manhã, no momento alto das festas da Senhora da Azinheira. No largo principal da terra, nem os jovens que, no início, torciam o nariz, resistiram ao batuque, sanfona e jogo de bunda das bailarinas. «Roberto, és o maior!», gritavam. E ele, todo de branco, entremeando a canção de puxar lágrima, os vivas ao Senhor, o hino de Portugal e os calores de palco, lá acabou a beijar Toninho na testa, velho amigo dos tempos difíceis do Brasil."
Miguel Carvalho, in Aqui na Terra)




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