Se essa rua fosse minha: Saramago, Eça, politiquices e politicões



Nada há de mais ruidoso, e que mais vivamente se saracoteie com um brilho de lantejoulas – do que a política. Por toda essa antiga Europa real, se vêem multidões de politiquetes e de politicões enflorados, emplumados, atordoadores, cacarejando infernalmente, de crista alta. Mas concebes tu a possibilidade de daqui a cinquenta anos, quando se estiverem erguendo estátuas a Zola, alguém se lembre dos Ferry, dos Clemenceau, dos Cánovas, dos Brigth? Podes-me tu dizer quem eram os ministros do império em 1856, há apenas trinta anos, quando Gustave Flaubert escrevia «Madame Bovary»? Para o saber precisas desenterrar e esgaravatar com repugnância velhos jornais bolorentos: e achados os nomes nunca verdadeiramente poderás diferenciar o sujeito Baroche do sujeito Troplong: mas de «Madame Bovary» sabes a vida toda, e as paixões e os tédios, e a cadelinha que a seguia, e o vestido que punha quando partia à quinta-feira na «Hirondelle» para ir encontrar Léon a Rouen! Bismarck todo-poderoso, que é chanceler e de ferro, daqui a duzentos anos será, sob a ferrugem que o há-de cobrir, uma dessas figuras de Estado que dormem nos arquivos e que pertencem só à erudição histórica: o papa Leão XIII, tão grande, tão presente, que até as crianças lhe sabem de cor o sorriso fino, não será mais, na longa fila dos papas, que uma vaga tiara com um número; mas duzentos anos passarão, e mil – e o nome, a figura, e a vida de certo homem que não governou a Alemanha nem a Cristandade, estará tão fresca e rebrilhante como hoje na memória grata dos homens.”  Eça de Queirós, Prefácio a  «Azulejos» do Conde de Arnoso (Notas Contemporâneas)

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