As pistolas estão lá, num canto da sala ainda por arrumar. Hedda Gabler, agora Hedda Tesman, e o marido acabaram de chegar de uma longa lua-de-mel. Hedda segura as pistolas. Aponta-as. Testa-as. Diverte-se com elas. "As pessoas dizem isso, mas não o fazem." Não disparam as pistolas, é o que ela quer dizer. Mas há um semi-sorriso naquele rosto, como se soubesse algo mais.
[...]
Em 1970, Silva Melo era um jovem em Londres a assistir, "umas duas ou três vezes", à Hedda Gabler encenada por Ingmar Bergman. Nunca mais se esqueceu daquele espectáculo. "Para mim, esta é peça de Ibsen perfeita", admite. Em 2008, enquanto assistia à reposição de Stabat Mater no São Luiz, a peça de Antonio Tarantino em que Maria João Luís interpretava uma mulher em busca do seu filho, o encenador percebeu que estava perante a actriz ideal para fazer Hedda. "Ela tem tudo a ver com as heroínas de Ibsen e Strindberg. Tem aquele lado moderno mas ao mesmo tempo elegante, é uma mulher e uma actriz independente", explica. E foi naquele momento que decidiu pedir a Vieira Mendes para reescrever a peça. Queria deixar de fora "toda a ganga" do naturalismo que hoje em dia lhe parece absurda. "Mas não queria ser eu a fazê-lo. Achei que fazia mais sentido ter um jovem, da geração do Zé Maria, a olhar para esta peça. Quando Hedda Gabler se estreou em Portugal foi um escândalo. Era tudo novo, toda aquela abordagem e a mentalidade do Norte da Europa. Mas o que é que Hedda Gabler diz às novas gerações de hoje?", pergunta-se Silva Melo.
Hedda perdeu o apelido, mas não só. "Já não é aquela mulher mal-casada. Pelo contrário, é uma mulher que quer mais do que um bom casamento. O marido é mais doce e atraente do que em Ibsen mas isso não é suficiente." Ou, como diz Maria João Luís: "Ela é um ser humano, uma mulher como todas as outras. Não é a mulher diabólica da peça de Ibsen, quase monstruosa. Mas é uma mulher ansiosa, que quer mais sem saber muito bem o quê. Todos nós temos estes momentos em que já pensámos em acabar com isto."
Sobre esta adaptação, o encenador diz que "é como contar a história de novo, mas à nossa maneira". E esta foi uma ideia que tentou passar aos actores e sobretudo a Maria João Luís: "Esta Hedda explica-se, analisa-se, tem consciência de si própria. Parece que já viu a peça, que sabe o que vai acontecer." E talvez saiba. Talvez seja por isso aquele semi-sorriso ao pegar nas pistolas do general seu pai. "Se eu quiser, nada me pára. E vou a caminho do impossível, está a ouvir?"
No palco, com cenário e figurinos de Rita Lopes Alves, além de Maria João Luís, estão António Pedro Cerdeira (o marido Jorge Tesman), Marco Delgado (o escritor Eilert Lovborg), Lia Gama (a tia Juliana), Cândido Ferreira (o juiz Brack) e Rita Brutt (a jovem Thea Elvsted). Hedda fica em cena até 17 de Outubro.
[fonte Diário de Notícias]
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Em 1970, Silva Melo era um jovem em Londres a assistir, "umas duas ou três vezes", à Hedda Gabler encenada por Ingmar Bergman. Nunca mais se esqueceu daquele espectáculo. "Para mim, esta é peça de Ibsen perfeita", admite. Em 2008, enquanto assistia à reposição de Stabat Mater no São Luiz, a peça de Antonio Tarantino em que Maria João Luís interpretava uma mulher em busca do seu filho, o encenador percebeu que estava perante a actriz ideal para fazer Hedda. "Ela tem tudo a ver com as heroínas de Ibsen e Strindberg. Tem aquele lado moderno mas ao mesmo tempo elegante, é uma mulher e uma actriz independente", explica. E foi naquele momento que decidiu pedir a Vieira Mendes para reescrever a peça. Queria deixar de fora "toda a ganga" do naturalismo que hoje em dia lhe parece absurda. "Mas não queria ser eu a fazê-lo. Achei que fazia mais sentido ter um jovem, da geração do Zé Maria, a olhar para esta peça. Quando Hedda Gabler se estreou em Portugal foi um escândalo. Era tudo novo, toda aquela abordagem e a mentalidade do Norte da Europa. Mas o que é que Hedda Gabler diz às novas gerações de hoje?", pergunta-se Silva Melo.
Hedda perdeu o apelido, mas não só. "Já não é aquela mulher mal-casada. Pelo contrário, é uma mulher que quer mais do que um bom casamento. O marido é mais doce e atraente do que em Ibsen mas isso não é suficiente." Ou, como diz Maria João Luís: "Ela é um ser humano, uma mulher como todas as outras. Não é a mulher diabólica da peça de Ibsen, quase monstruosa. Mas é uma mulher ansiosa, que quer mais sem saber muito bem o quê. Todos nós temos estes momentos em que já pensámos em acabar com isto."
Sobre esta adaptação, o encenador diz que "é como contar a história de novo, mas à nossa maneira". E esta foi uma ideia que tentou passar aos actores e sobretudo a Maria João Luís: "Esta Hedda explica-se, analisa-se, tem consciência de si própria. Parece que já viu a peça, que sabe o que vai acontecer." E talvez saiba. Talvez seja por isso aquele semi-sorriso ao pegar nas pistolas do general seu pai. "Se eu quiser, nada me pára. E vou a caminho do impossível, está a ouvir?"
No palco, com cenário e figurinos de Rita Lopes Alves, além de Maria João Luís, estão António Pedro Cerdeira (o marido Jorge Tesman), Marco Delgado (o escritor Eilert Lovborg), Lia Gama (a tia Juliana), Cândido Ferreira (o juiz Brack) e Rita Brutt (a jovem Thea Elvsted). Hedda fica em cena até 17 de Outubro.
[fonte Diário de Notícias]
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