Nas Trevas, Camilo Castelo Branco
Nas Trevas é o último livro de Camilo publicado em vida. Nesta altura, Camilo estaria já quase cego, daí o título. É curioso verificar que as reacções dos media criticadas nos dois sonetos abaixo, são semelhantes às dos dias de hoje.
A outra metade
Quando este corpo meu esfacelado
Baixar á leiva húmida da cova,
Hão de os jornais carpir a infausta nova,
Taxando-me de sábio consumado.
Estalará na imprensa enorme brado,
Pedindo a ressurgência d’um Canova
Que a morta face em mármore renova
Para insculpir meu busto laureado.
E algum dos imbecis necrologistas,
Com soluçantes vozes de saudade,
Dirá em ricas frases nunca vistas:
“Esse génio imortal, rei dos artistas,
No céu pede ao Senhor que a outra metade
Reparta por vocês, ó jornalistas!”
Comédia humana
Literatos! Chorai-me, que eu sou digno
Da vossa gemebunda e velha táctica!
Se acaso tendes crimes em gramática,
Farei que vos perdoe o Deus benigno.
Demais conheço a prosa inflada, enfática,
Com que chorais os mortos; e o maligno
Desafecto aos que vivem… Não me indigno…
Sei o que sois em teoria e em prática.
Quando o avô desta vã literatura
Garret, era levado á sepultura,
Viu-se a imprensa verter prantos sem fim…
Pois seis dos literatos mais magoados,
Saíram, nessa noite embriagados,
Da crapulosa tasca do Penim.
.
Nota: a tasca do Penim era frequentada por artistas e situava-se na Rua do Regedor (junto à Rua da Madalena na Baixa Pombalina).[via Crónicas Portuguesas]
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Camilo Castelo Branco
Discurso ao príncipe de Epaminondas, mancebo de grande futuro | Mário Cesariny
Discurso ao príncipe de Epaminondas,
mancebo de grande futuro
Despe-te de verdades
das grandes primeiro que das pequenas
das tuas antes que de quaisquer outras
abre uma cova e enterra-as
a teu lado
primeiro as que te impuseram eras ainda imbele
e não possuías mácula senão a de um nome estranho
depois as que crescendo penosamente vestiste
a verdade do pão a verdade das lágrimas
pois não és flor nem luto nem acalanto nem estrela
depois as que ganhaste com o teu sémen
onde a manhã ergue um espelho vazio
e uma criança chora entre nuvens e abismos
depois as que hão-de pôr em cima do teu retrato
quando lhes forneceres a grande recordação
que todos esperam tanto porque a esperam de ti
Nada depois, só tu e o teu silêncio
e veias de coral rasgando-nos os pulsos
Então, meu senhor, poderemos passar
pela planície nua
o teu corpo com nuvens pelos ombros
as minhas mãos cheias de barbas brancas
Aí não haverá demora nem abrigo nem chegada
mas um quadrado de fogo sobre as nossas cabeças
e uma estrada de pedra até ao fim das luzes
e um silêncio de morte à nossa passagem
Mário Cesariny
Manual de Prestidigitação
Lisboa, Assírio & Alvim, 1981
[e o poema aconteceu] Joana Dias
[e o poema aconteceu] Joana Dias
Quem és tu?
Ninguém...
Quem és tu?
Advérbio do Nada...
Quem és tu?
Ninguém...
Quem és tu?
Advérbio do Nada...
[Alice do Outro Lado do Espelho, Lewis Carroll]- Não vejo ninguém na estrada! Disse Alice.
- Quem me dera ter uns olhos como os teus. Observou o Rei, num tom de mau humor
- Consegues ver ninguém! E ainda por cima a uma distância destas! Olha que já é bom eu conseguir ver alguém com esta luz!
Déjeuner sur l’Herbe, Manet
Tudo leva a crer que a intenção de Manet foi das mais ambíguas. Quis ele produzir uma obra-prima moderna, associando a pintura dos mestres com meios simplificados. A mistura de tradição e de imediatismo, de cultura de elite e de referencias triviais, faz do Déjeuner sur l’Herbe um emblema da modernidade (...). As audácias técnicas e a insolência do tema contribuíram juntas para fazer desse quadro o primeiro quadro moderno, com a imperfeição que isso supõe e que a Olympia, em parte, resolverá” (Antoine Compagnon)
Amar não acaba, Frederico Lourenço
"O Teatro é que me apaixonou. O ambiente; as frisas e camarotes; o dourado discreto do estuque e o rosa velho dos estofos. O ar que se respirava lá dentro era mágico: tinha outra constituição molecular, outro cheiro; entrava nos pulmões e desencadeava ondas de prazer que sobrelevavam a qualquer deleite masturbatório. À lenta diminuição das luzes da sala, anunciando o fim do intervalo e o início do acto seguinte, sobressaíam com subtil refulgência os contornos esculpidos das quatro ordens de camarotes: e os meus colegas de turma sentados nos seus lugares, agora silhuetas à meia-luz vislumbradas na frisa ao lado ou no camarote em frente, perdiam a boçalidade que eu tão bem lhes conhecia do recreio e das casas de banho do liceu, para me parecerem de repente transformados em príncipes e poeta. Os feios tornavam-se bonitos; os bonitos, lindos de morrer."
Amar não acaba, Frederico Lourenço [via Raquel]
Inverno, Sophia de Mello Breynner Andresen
Inverno
Este Inverno é longo gélido
E confuso
Na varanda só o vento passa
E o vento olha-nos de esguelha quando passa
Nenhum poema aflora
Entre linhas finas e aéreas
Da página em branco
Sophia de Mello Breynner Andresen, Obra Poética
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Sophia de Mello Breynner Andresen
O Dito Cujo do 5.ºB e pelo 5.ºB
Hoje o 5.ºB fez-nos uma visita (e que visita), trouxe-nos o Dito Cujo de Rui Manuel Amaral e leu-nos (e bem) a sua versão da história. Em breve, disponibilizaremos o video...
Para os mais curiosos o texto está no site do livro de Rui Manuel Amaral, Dr. Avalanche.
No fim, houve ainda tempo para perguntas difíceis: o 5.ºB queria saber o que era isso de "Literatura"... A Filipa Miguel, com convicção citou Rui Manuel Amaral, dizendo que a literatura é uma macieira que dá laranjas...
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Rui Manuel Amaral
das outras artes...
Olga Roriz
Clara Andermatt
Paulo Ribeiro
Pina Bausch
Clara Andermatt
Paulo Ribeiro
Pina Bausch
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PINA BAUSCH
Camilo Pessanha
Inscrição
Eu vi a luz num país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.
Ó! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...
Camilo Pessanha
Eu vi a luz num país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.
Ó! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...
Camilo Pessanha
A Maior Flor do Mundo
O desafio foi hoje lançado, por Sérgio Letria, da Fundação José Saramago, a partir de A Maior Flor do Mundo: “Quem sabe se um dia virei a ler outra vez esta história, escrita por ti que me lês, mas muito mais bonita?"
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Ler é Preciso
A propósito de intertextualidade...
Nestes dois poemas, um de Vasco Graça Moura, outro de Nuno Júdice, há uma alusão implícita ao Nocturno de David Mourão Ferreira. Trata-se de um fenómeno de intertextualidade. Diz Carlos Ceia:
"Filmes que retomam filmes, quadros que dialogam com outros, propagandas que se utilizam do discurso artístico, poemas escritos com versos alheios, romances que se apropriam de formas musicais, tudo isso são textos em diálogo com outros textos: intertextualidade." (ver mais)
Era a noite que caía
E na sombra recolhia
O voo das andorinhas.
Era a voz que se calava,
Era a dor de ver que estava
Sem as tuas mãos nas minhas
Eram passos que escutei,
Que eram teus ainda pensei,
Iludiu-me o coração.
Foram pela rua escura
Longe da minha amargura
E acompanhei-os em vão
Fiquei perto da janela,
Pus-me a abri-la com cautela,
Fiz disfarce da cortina.
Vi então na luz incerta
Que a rua estava deserta
E deserta estava a esquina.
Era só eu na escuridão,
Era no peito um rasgão,
Era já no céu a lua,
Que me importa?, á minha porta
A sombra que se recorta
Bem pode ainda ser a tua.
Vasco Graça Moura
Era um choro de olhos
Abertos; um copo de silêncio
A esvaziar de um trago;
Um corpo ácido como certas
cidades nocturnas.
Era essa canção de pedra
Que os rios murmuram; esse
Muro de ramos partidos numa
Secura de lábios; a sombra
Que desce com a chuva.
Nuno Júdice
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NOCTURNO, de David Mourão-Ferreira e Martirio de São Sebastião, de Debussy
NOCTURNO
Eram, na rua, passos de mulher.
Era o meu coração que os soletrava.
Era, na jarra, além do malmequer,
espectral o espinho de uma rosa brava...
Era o meu coração que os soletrava.
Era, na jarra, além do malmequer,
espectral o espinho de uma rosa brava...
Era, no copo, além do gim, o gelo;
além do gelo, a roda de limão...
Era a mão de ninguém no meu cabelo.
Era a noite mais quente deste verão.
além do gelo, a roda de limão...
Era a mão de ninguém no meu cabelo.
Era a noite mais quente deste verão.
Era no gira-discos, o Martírio
de São Sebastião, de Debussy....
Era, na jarra, de repente, um lírio!
Era a certeza de ficar sem ti.
de São Sebastião, de Debussy....
Era, na jarra, de repente, um lírio!
Era a certeza de ficar sem ti.
Era o ladrar dos cães na vizinhança.
Era, na sombra, um choro de criança...
Era, na sombra, um choro de criança...
David Mourão-Ferreira
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