PODIA SER CINEMA, PELA TEXTURA DA PELE QUE PROJECTA O CORPO, CORPO DE AMOR E MORTE, PARA VER NA NOVA PEÇA DE RUI HORTA
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()...“Talk Show” começa com um acidente de automóvel, a morte cerebral do condutor e o relato, exaustivo e gráfico, do transplante do coração. Ao mesmo tempo, um casal de bailarinos projecta em cena uma morada precária de intensidades amorosas. Conflitos. Silêncios feridos. Cada um, a seu modo, morre todos os dias. Esta é uma peça sobre a morte. Rui Horta diz que é uma peça sobre a morte do corpo. Mas é um corpo que transborda de amor. No início, há essa sobreposição da morte e do corpo. As duas, juntas em palco, são o discurso da urgência.
[…] Sem pudores nem complexos de tratar este tema, Rui Horta criou uma obra que define como “ultra-romântica”. Mas fê-lo através de estratégias contemporâneas de composição artística, com recurso à tecnologia e a uma narrativa fragmentária, não linear.
Organizada em três partes. Na segunda, em que há menos conversa, “falam sobre o atraso, sobre cães, sobre quebrar hábitos”. A terceira é um regresso às memórias. A paixão é vivida em felicidade, mas no passado, porque o futuro é a morte. E, neste sentido, é sempre uma viagem. “Acho que a coisa mais romântica que existe é duas pessoas envelhecerem juntas e amarem-se perdidamente.” Esteticamente, é uma peça austera, cinzenta, tecnológica. “Esta obra é a mais alemã dos meus últimos anos. É uma obra disciplinadíssima, uma espécie de manual de utilização do princípio ao fim. No início falam como médicos, depois como psicólogos e por fim como geógrafos... No fundo, falam do amor mais avassalador, da morte mais urgente, da vida mais presente. É muito fria e germânica, mas também muito humana e emocional. Adorava que esta obra tocasse profundamente as pessoas falando de coisas completamente banais.” Claudia Galhós, in Expresso Actual, 10.09.2010
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