PODIA SER CINEMA, PELA TEXTURA DA PELE QUE PROJECTA O CORPO, CORPO DE AMOR E MORTE

PODIA SER CINEMA, PELA TEXTURA DA PELE QUE PROJECTA O CORPO, CORPO DE AMOR E MORTE, PARA VER NA NOVA PEÇA DE RUI HORTA

Um dia, a juventude. O encontro com o outro, a mão tentando colher a superfície da pele, marcar na palma esse mapa da paixão. A sombra do desejo precipita a fuga. Devora os sentidos. Primeiro, esse abismo do amor. Rui Horta dirá que os corpos assim, lançados uns sobre os outros, perdidos nessa entrega, são como um transplante de coração. “É amar ou morrer.” É a vida aos 20 anos. “O amor é uma urgência. Dou-te o meu coração, e, se não me dás o teu, morro. Claro que na semana seguinte morro por outra pessoa.” Talk Show” é a primeira de três peças que o coreógrafo vai criar este ano para o Centro Cultural de Belém (de 15 a 18 de Outubro) enquanto artista associado daquele espaço. As três partilham uma abordagem ao acto criativo a partir do corpo como “território por excelência do amor”. Sem pudores nem complexos de tratar este tema, Rui Horta criou uma obra que define como “ultra-romântica”. Mas fê-lo através de estratégias contemporâneas de composição artística, com recurso à tecnologia e a uma narrativa fragmentária, não linear. Estão lá, mesmo que cada espectador possa ter uma leitura diferente da história, três idades do amor e da vida: “Aos 20 anos, o amor é um transplante; aos 50 anos, o amor é uma confusão; aos 70 anos, se existir amor, é uma evidência, é bonomia e uma enorme tranquilidade.”
()...“Talk Show” começa com um acidente de automóvel, a morte cerebral do condutor e o relato, exaustivo e gráfico, do transplante do coração. Ao mesmo tempo, um casal de bailarinos projecta em cena uma morada precária de intensidades amorosas. Conflitos. Silêncios feridos. Cada um, a seu modo, morre todos os dias. Esta é uma peça sobre a morte. Rui Horta diz que é uma peça sobre a morte do corpo. Mas é um corpo que transborda de amor. No início, há essa sobreposição da morte e do corpo. As duas, juntas em palco, são o discurso da urgência.
[…] Sem pudores nem complexos de tratar este tema, Rui Horta criou uma obra que define como “ultra-romântica”. Mas fê-lo através de estratégias contemporâneas de composição artística, com recurso à tecnologia e a uma narrativa fragmentária, não linear.
Organizada em três partes. Na segunda, em que há menos conversa, “falam sobre o atraso, sobre cães, sobre quebrar hábitos”. A terceira é um regresso às memórias. A paixão é vivida em felicidade, mas no passado, porque o futuro é a morte. E, neste sentido, é sempre uma viagem. “Acho que a coisa mais romântica que existe é duas pessoas envelhecerem juntas e amarem-se perdidamente.”
Esteticamente, é uma peça austera, cinzenta, tecnológica. “Esta obra é a mais alemã dos meus últimos anos. É uma obra disciplinadíssima, uma espécie de manual de utilização do princípio ao fim. No início falam como médicos, depois como psicólogos e por fim como geógrafos... No fundo, falam do amor mais avassalador, da morte mais urgente, da vida mais presente. É muito fria e germânica, mas também muito humana e emocional. Adorava que esta obra tocasse profundamente as pessoas falando de coisas completamente banais.”  Claudia Galhós, in Expresso Actual, 10.09.2010



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