Nesta hora , Sophia de Mello Breyner Andresen,

Nesta hora

Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo


Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade


Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida


O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade

Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe


A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados


Não basta gritar povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão 

Partir da limpidez do elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão


Para construir o canto do terrestre
- Sob o ausente olhar silente de atenção –


Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste 


Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra poética III, 2ª Edição, Editorial Caminho, Lisboa, 1996, pág. 197-198.

Um comentário:

OutrosEncantos disse...

Sophia é Grande,nela a verdade é uma especialidade...
... e da verdade ela "sabe dizer" muito bem!
gostei de encontrá-la aqui!
abraço.