Há uma citação de Gil Vicente gravada na porta de entrada de Casas Pardas (1977), a sinalizar uma inconsciente passagem de testemunho nos projetos encenados por Nuno Carinhas em 2012: da Alma de Mestre Gil para as Casas Pardas de Maria Velho da Costa, romancista que escreve sabendo que a poesia e o teatro existem. Antes de ser um romance-em-cena, Casas Pardas já tinha fingimentos de texto dramático, por via das suas muito brincadas reminiscências de várias vozes a várias vozes, que Luísa Costa Gomes escutou e adaptou. Diálogos acesos entre oficiantes do mesmo ofício, portanto. Casas Pardas cartografa Lisboa no final dos anos sessenta, em plena agonia do regime salazarista: crise política e social, rumores das guerras coloniais e dos tumultos estudantis. O Portugal pardacento à espera do terramoto que virá em 1974, enquanto se escreve o caos afetivo em comunidade, por dentro das casas do amor e desamor de Elisa, Mary, Elvira e companhia. Mas Casas Pardas é acima de tudo a casa da língua portuguesa e dos seus vários linguajares, aqui em jubiloso processo de miscigenação com outras falas do mundo. Em “crioulo galáctico”, a psicopátria diz de si e dos outros, agora num palco perto de nós.
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