"Novas Cartas Portuguesas" : Proíbem-me e eu incandesço
No dia 23 de Maio, a convite de Ana Luísa Amaral tivemos o privilégio de assistir a uma aula aberta do Mestrado de Estudos Feministas e Estudos Queer, no Anfiteatro Nobre da Faculdade de Letras do Porto, na qual esteve presente Maria Teresa Horta, uma das três Marias.
Maria Teresa Horta falou sobre o processo de apreensão do seu livro de poesia “Minha Senhora de Mim” e sobre o contexto de produção e sobre a recepção literária e política que das Novas Cartas Portuguesas. A propósito de Minha Senhora de Mim recordou que foi espancada na rua por elementos da Pide que lhe disseram que “"era para aprender a não escrever assim".
Sem quebrar o segredo da escrita de cada um dos textos que compõem as Novas Cartas Portuguesas, Maria Teresa Horta contou que as três (ela, Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno) começaram a escrever em torno de um mesmo eixo: Mariana Alcoforado, a freira portuguesa. Confidenciou-nos, ainda, que a escolha de Mariana Alcoforado não foi consensual. A princípio, Isabel Barreno ficou reticente, mas foi a própria Isabel a primeira a trazer o seu contributo para as futuras Novas Cartas Portuguesas, a partir de aí passaram a encontrar-se amiúde a fim de partilharem os textos que produziam (estes eram sempre lidos em voz alta).
Na plateia, alguém perguntou se Inês de Castro não teria sido também uma boa escolha em vez de Mariana), ao que M.T.H. respondeu que, apesar de também terem pensado em Inês de Castro, puseram a ideia de parte uma vez que esta foi mais objecto do amor do que sujeito. Só perto do final do processo de escrita é que tiveram consciência do impacto que o livro poderia ter. Aliás, Maria Teresa Horta já tinha tido problemas com o livro Minha Senhora de Mim (1971), livro censurado e considerado, na época, pornográfico e obsceno. Por causa deste livro, o secretário de Estado da Informação e Turismo da altura, Moreira Baptista, ameaçou Snu Abecassis, responsável pela Dom Quixote, de fechar a editora caso voltasse a editar mais algum livro de Maria Teresa Horta. Apesar de terem quatro editoras interessadas na edição da obra, estas, quando leram o original, recuaram. Apenas Natália Correia, directora do Estúdio Cor, abraçou o projecto e o livro é posto no mercado e é retirado em menos de 24 horas.As três escritoras são acusadas de pornografia e ultraje à moral e alvo de um processo judicial. Ficam conhecidas como as “três Marias”.
Por causa da censura prévia, o impacto, em Portugal, foi pequeno, pois qualquer notícia a respeito das Novas Cartas Portuguesas era cortada. No entanto, no estrangeiro foi diferente: O livro tinha chegado a a Simone Beauvoir, a Christiane Rochefort e a Marguerite Duras. Gerou-se um movimento de contestação: faziam-se manifestações, marchas e a embaixada portuguesa na Holanda foi mesmo ocupada.O julgamento foi marcado para 5 de Maio de 1974. Felizmente, dias antes chegou a liberdade.
Disto e muito mais nos deu conta Maria Teresa Horta. Leu ainda alguns poemas seus , como Minha Senhora de Mim, que já conhecíamos, mas que na sua voz ganhou outra cor. Falou ainda da intertextualidade e do texto do corpo. De tudo o que disse, queremos só dar conta desta magnífica frase de Maria Teresa Horta: “Proíbem-me e eu incandesço”. Já a havíamos lido numa entrevista, mas dita por ela ganhou outra força.
O nosso agradecimento a Ana Luísa Amaral pelo convite e a Maria Teresa Horta pela partilha.
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