Excerto de uma entrevista a Manuel Gusmão, na revista Textos e Pretextos, transcrita a partir do blogue de Osvaldo Manuel Silvestre.
"Julgo que a tentativa para diminuir o ensino da literatura enquanto tal, enquanto uso artístico de uma língua natural, e enquanto acesso à complexidade dos usos da linguagem, pode conduzir a desastres. Por um lado, o sucessivo adiamento para escalões superiores do encontro com a literatura fará com que muitos abandonem o sistema de ensino sem chegarem a ter contacto com a literatura e nem possam ter a opção de saber ou decidir sobre se a literatura lhes serve ou não para alguma coisa. Embora não se reduza a isso, a literatura tem a ver com a complexidade do próprio sistema linguístico a que ela acrescenta a complexidade das convenções, das regras, dos protocolos dos géneros literários e da ‘linguagem literária’, entendida enquanto um conjunto aberto de formas de comunicação e invenção verbais. Este adiamento do confronto com a complexidade frustra a descoberta e o exercício de destrezas daqueles que são ‘protegidos’ da complexidade ou da experiência da dificuldade. ‘Proteger da complexidade’ é uma fórmula altamente autoritária. Nela se casam a demagogia mais rasteira e o elitismo mais hipócrita. No fundo, isto representa a tentativa de seleccionar socialmente, de uma forma brutal, aqueles que terão acesso à possibilidade de se encontrarem com a literatura, no sistema educativo. Ligado a este problema, há o da possibilidade de preferir. O exercício da preferência implica a possibilidade de conhecer e de não apenas escolhermos aquilo que gostamos, mas de sermos também escolhidos por aqueles que se tornam os nossos textos, as nossas obras de referência. Excluir dos curricula a oportunidade da experiência da preferência estética é uma forma mais de amputação dos possíveis e de inculcar a submissão." Manuel Gusmão, in Textos e Pretextos, nº 10 (2007)
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