“11 de Dezembro
Olho para o papel branco (afinal um tudo-nada pardacento) sem a angústia de que falava Gaughin (ou era Van Gogh?) ao ver-se em frente da tela, mas com apreensão, apesar de tudo. Que vou eu escrever — eu, a quem nada neste mundo obriga a escrever? Eu, antecipadamente sabedor da inutilidade das linhas que neste momento ainda não redigi, dentro de alguns minutos (de alguns anos) finalmente redigidas?
Não sei: folheio ao acaso a página cento e quinze do meu caderno, ainda branca, ainda parda, e pergunto-me: daqui a dois, a três, a quatro meses, quando a alcançar — se a alcançar —, terei escrito uns milhares de palavras. Que palavras?
E fico perturbado, muito mais perturbado por essa página do que por esta, já em parte azulada e vazia de surpresas. Como saber se nela, hoje e durante um ou dois meses ainda branca, branca e situada no futuro, embora um futuro espacial, eu não contarei (não terei contado) coisas de cortar o coração? Sobre mim. Ou sobre o mundo, uma guerra, a vitória completa do fascismo, por exemplo.”
É com a angústia da página em branco que se inicia o romance Bolor, de Augusto Abelaira.
Continua o texto (não mais de 400 palavras) respeitando o registo de língua usado pelo autor e a tipologia textual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário