A propósito do "Dia Mundial da Saúde Mental" | Adília Lopes


"Tenho uma doença mental, tenho uma doença de pele. A pele é exterior, o cérebro é interior. Tenho um eczema, tenho uma psicose. Às vezes penso que a pele é interior e que os meus miolos estão à mostra como a mioleira da vaca no balcão do talho." Adília Lopes, Irmã Barata, Irmã Batata


"Há um preconceito em relação à doença mental que não há em relação às outras doenças. É para ajudar a desfazer esse preconceito que escrevo isto. Mas estou afinal no mesmo barco que os doentes do Júlio de Matos que pedem esmola na rua para tabaco e café. Quando disse ao Professor Pinto Peixoto, meu professor de Termodinâmica, na Faculdade de Ciências de Lisboa, que tinha estado "doente dos nervos", ele disse-me "doenças de nervos são doenças de ricos". O Professor Pinto Peixoto é o mais célebre meteorologista português, era inteligentíssimo e muito culto, mas isto que me disse é um disparate: a doença mental afecta tanto os pobres como os ricos.


Volto sempre à frase de Francesc Parcerisas, poeta catalão: uma poetisa tem o direito de apoiar candidatos à Presidência da República e de declarar à televisão o que come ao pequeno-almoço. Penso que todos devíamos ter esse direito. Mas, quando torno público que tenho uma doença mental, sei que é muito mais fácil para mim fazê-lo do que, por exemplo, para uma educadora de infância ou para um polícia. Ser poetisa, ser artista, é, neste caso, um escudo visível que me protege. Pelo menos, parece-me que é assim. Mas ser poetisa não me dá dinheiro para viver e é aí que ser poetisa e ter uma doença mental põe problemas. Por isso não é assim tão fácil, para mim, assumir publicamente que tenho uma doença mental. Admite-se uma poetisa louca, isso pode até funcionar como chamariz, aumentar o valor dos seus textos (aos meus olhos, não aumenta nada). Mas uma professora do ensino secundário louca? Uma bibliotecária louca? Uma animadora cultural louca? O artista pobre, genial e louco só é admitido depois de morto. E afinal não é esse o meu papel. Como vou contar, já fiz muitos disparates em público, mas, segundo o psiquiatra que me trata agora, tenho uma doença mental compensada. Isto, para mim, é como ter o salto de um sapato mais alto do que o outro por se ter uma perna mais curta do que a outra.

Não há exibicionismo nem confessionalismo impudico neste texto. Como aquele médico de cabelos brancos, que ensinava na televisão como fazer quando uma criança bebe lixívia, e que se regozijava por ter salvo assim a vida a uma criança, espero que este texto vá ter com aqueles que têm vontade de beber lixívia ou pó para ratos." (Cartas do meu Moinho)

Nenhum comentário: