Exílio | Beatriz Hierro Lopes
Exílio, Beatriz Hierro Lopez
"Todas as manhãs repetia a mesma dança, empurrando o rosto contra o espelho durante a análise minuciosa das novas rugas que haviam florescido durante a noite. Apenas durante a noite se pode envelhecer – pensava, enquanto levava acabo a árdua tarefa de desenterrar, sistematicamente, os meses já vividos.
A primeira morte era a mais violenta: o Janeiro das promessas convertia-se em desilusão chorosa, ao antever o seu fim. Prosseguia-se com o luto em Fevereiro: camuflava-se o corpo; impunham-se as máscaras contra o futuro; esperando que a mutação súbita concedesse o brilho de um recomeço tão próximo do início. Março era longo. Estendido entre “o que se gostaria de ser” do mês mais pequeno, e o majestoso Abril, rico em lágrimas.
O céu abre as suas feridas ao Mundo em Abril. Dizendo que não; que nunca existirá, ao longo deste século, esperança suficiente para calar as bocas do Mundo: que não haverá utopia que quebre a ordenação vagarosa das décadas, contemporâneas da crise humana que é a falta de imortalidade. Presos à terra permeabilizada por todos os materiais da construção moderna, homens e mulheres surgem como cogumelos debaixo de guarda-chuvas coloridos. Escondem-se das águas tristes que, ao escorrerem do céu, lhes tocam a raiz dos dedos. Atraiçoando. Revelando que não existe máscara que resista ao confronto com o futuro.
Era, pela altura do primeiro balanço de contas à felicidade anual, que Maio nascia. Apresentando-se como um túnel pouco luzidio de paredes frias, prontas a sufocar a única saída de emergência avistada no centro de todo o imenso caos que é existir. Em Maio a derrota está sempre mais próxima; disponível para o engano da luz de Junho; que, ao clarear os olhos sensíveis das gentes, encobre o começo da fuga trágica do Sol: cada vez mais próximo, mais distante.
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