Renata Correia Botelho

gostas ou não gostas que
te chamem pelo nome, ao cair
da esquina no ladrilho? Sol
capacho, pecado ou lentidão;

é uma questão de segundos
até que a pedra molde,
ao fundo, os seus desígnios
quando a atiras da falésia

recolhe o tempo,
dita, ao salitre, o nome que te coube
no verso principal
deste rodar de palco

deixa a mudez dos peixes
decidir o resto
trilhar
o rasto
do teu papel.

(Avulsos, por causa, 2001)

Carta para A.

viste que os dias não passavam
disto, e viste bem. desse lado
do céu, tens o melhor miradouro
sobre a madrugada. se encontrares
o pintainho
que sepultámos,
em segredo e lágrimas, no
quintal das tias, pede-lhe o
arco da sua asa nas noites de lua nova.
remete-me, quando puderes,
pacotes de chuva miúda, gosto
de a ver decalcar a terra, fundir-se
com as sementes de milho
no canto da achadinha.
entretanto, vou montando o
telescópio, com as instruções
que me deste. põe-te à vista
e combinamos um
gelado a
meio caminho,
à hora da infância.

(Avulsos, por causa, 2001)

a mesa está posta de ervas
para dois, esperam-nos
melros e canteiros.


no jardim, sabem que fomos
com o musgo, com os grilos,
para o colo da
terra,

somos, agora parte
da primavera, nunca estivemos

tão chegados
ao mundo

tão dentro de casa.

( «Telhados de Vidro» nº 2)

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