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Breve Sumário da História de Deus, de Gil Vicente, 25 de NOVEMBRO
encenação Nuno Carinhas
Estreado na corte de D. João III “na era do Senhor de 1527”, o auto propõe um especioso mosaico de passos das Sagradas Escrituras – da Queda do Homem à Ressurreição de Cristo – e possui uma densidade retórica que, cruzando a exaltação lírica e o impulso satírico, amplia as potencialidades de representação muito para lá do mero intuito doutrinal. Da adoração de Abel à “voz que clama no deserto” de João Baptista, passando pelas provações de Job ou pelas profecias de Isaías, Vicente promove um casting bíblico para contar (usemos, para efeitos promocionais, o título de um dos blockbusters de Hollywood) a maior história de todos os tempos. Também habitado por figuras malignas e pelas alegorias do Mundo, do Tempo e da Morte, Breve Sumário da História de Deus revela-nos, afinal, a misteriosa condição de criaturas cuja desesperada humanidade se redime na esperança de Deus. (ver mais aqui) O Ano do Pensamento Mágico,de Joan Didion, 15 de Janeiro
"Uma pessoa senta-se para jantar e a vida como até então a conhecera acaba". Na noite de 30 de Dezembro de 2003, Joan Didion e o seu marido, John, entram em casa depois de visitar a filha, Quintana, internada com uma infecção generalizada e com poucas hipóteses de sobrevivência. Joan e John sentam-se para jantar e eis quando, no silêncio que se instala, John morre de ataque cardíaco. Esta história pessoal e universal mostra a profundidade que só as grandes relações têm e reflecte sobre a morte, a doença, sobre a probabilidade e o acaso, sobre o casamento e os filhos, a saudade e a mágoa"
"Dois rapazes andam à pancada depois da escola e um deles parte os dentes ao outro… mas esta história não é acerca deles."
Os pais de Bruno, agora desdentado, conseguem descobrir que foi Fernando quem lhe bateu, e convidam os pais deste para irem lá a casa resolver o assunto como pessoas civilizadas.
O encontro começa num tom muito cordial e civilizado, mas lentamente, pequenas verdades se vão dizendo e insinuando, de parte a parte. O tom amigável e compreensivo com que começaram o encontro é a pouco e pouco substituído por uma desagradável tom de agressão. Todo o ser humano consegue conter a sua raiva apenas até um certo ponto…e uma vez ultrapassado esse ponto, poderemos finalmente conhecer verdadeiramente alguém…Este será o pior dia da vida deles."
"Os dois filhos homens de Édipo, Etéocles e Polinice, morrem numa batalha no mesmo dia. Um a favor e o outro contra a cidade de Tebas, que passa a ser governada pelo cunhado de Édipo, Creonte. Creonte manda enterrar honrosamente ao primeiro, mas lança uma lei de que o segundo não seja velado, nem sepultado..."
O Príncipe de Homburgo, Heidrich Von Kleist, 14 de MaioESTREIA
Foi hoje, na Universidade Portucalense, o lançamento do livro da Prof. Ortelinda Barros. Em breve, fotos do acontecimento pela fotógrafa de serviço, Bárbara Silva.
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Se eu podesse desamar a quen me sempre desamou, e podess'algún mal buscar a quen me sempre mal buscou! Assí me vingaría eu, se eu podesse coita dar, a quen me sempre coita deu.
Mais sol non posso eu enganar meu coraçón que m'enganou, por quanto me fez desejar a quen me nunca desejou. E per esto non dormio eu, porque non poss'eu coita dar, a quen me sempre coita deu.
Mais rog'a Deus que desampar a quen m'assí desamparou, vel que podess'eu destorvar a quen me sempre destorvou. E logo dormiría eu, se eu podesse coita dar, a quen me sempre coita deu.
Vel que ousass'eu preguntar a quen me nunca preguntou, por que me fez en si cuidar, pois ela nunca en min cuidou. E por esto lazeiro eu, porque non poss'eu coita dar, a quen me sempre coita deu.
A cantiga de Pero da Ponte, de incipitSe eu pudesse desamar, desenvolve a temática da coita e da submissão, ainda que indesejada, ao sentimento amoroso, expressa principalmente pela condicional que inicia o refrão bipartido: se eu podesse coita dar, / a quem me sempre coita deu (1ª e 3ª coplas) e porque nom poss’eu coita dar, / a quem me sempre coita deu (2ª e 4ª coplas). A oscilação entre o eu e o ela presente no refrão (eu podesse / (ela) deu; nom poss’eu / (ela) deu) enfatiza a inexorabilidade do destino que faz com que o poeta seja prisioneiro do desejo de provocar na sua senhor, senão o mesmo amor, pelo menos a mesma coita que o atormenta.
É interessante observar que toda a cantiga está construída sobre o artifício do mozdobre: desamar/desamou; buscar/buscou; enganar/enganou; desejar/desejou; desampar/desamparou; destorvar/destorvou; perguntar/perguntou; cuidar/cuidou, compondo um lamento (lazeiro) em que o trovador joga com lugares fixos — o lugar da coita amorosa e o lugar da senhor — desejando ser possível inverter tais papéis, e receber a coita, ao invés de sofrê-la. Entretanto, o rogo a Deus para que desampara a ela, quem m’assi desamparou, encontra na condicional do refrão ‘se eu podesse coita dar’ uma esperança mínima que é rebatida pela conclusão de ‘porque nom poss’eu coita dar, / a quem me sempre coita deu’.
O trovador não é livre para deixar de desamar a quem sempre o desamou, entretanto, de sua coita nasce a cantiga de amor que será cantada nas cortês palacianas, pondo à prova sua mestria e seu bom trovar. Resta-nos perguntar: que amor é esse de que se fala, codificado em fórmulas fixas e topos estereotipados? (daqui)
"Era um jogo de homens e, entre todos os textos que convidam a ele, há pouco que não sejam marcados por traços misóginos. A mulher é um engodo, análogo a esses manequins contra os quais o novo cavaleiro se lançava, nas demonstrações desportivas que se seguiam às cerimónias de sagração. Não era a dama convidada a enfeitar-se, a disfarçar e a revelar os seus atractivos, a recusar-se por longo tempo, a só se dar parcimoniosamente, por concessões progressivas, a fim de que, nos prolongamentos da tentação e do perigo, o jovem aprendesse a dominar-se, a controlar seu próprio corpo?" (Georges Duby)
"No próprio seio da cavalaria, o ritual cooperava de outro modo, complementar, para a manutenção da ordem: ele ajudava a controlar parte do tumulto, a domesticar a “juventude”. O jogo do amor, em primeiro lugar, foi educação da medida. Medida é uma das palavras chaves de seu vocabulário específico. Convidando a reprimir os impulsos, ela era em si um factor de calma, de apaziguamento. Mas esse jogo, que era uma escola, trazia consigo também o concurso. Tratava-se, superando o concorrente, de ganhar o prémio do jogo, a dama. E o sénior, o chefe da fortaleza, aceitava colocar sua esposa no centro da competição, em situação ilusória, lúdica, de preeminência e de poder. Até certo ponto: o código projectava a esperança de conquista como uma miragem nos limites imprecisos de um horizonte artificial. (Georges Duby)
"o amor cortês ensinava a servir e servir era o dever do bem vassalo. De facto, foram as obrigações vassálicas que se viram transferidas para a gratuidade do divertimento mas que, num certo sentido, adquiriram assim mais acuidade, já que o objecto do serviço era uma mulher, um ser naturalmente inferior. O principiante, para adquirir mais domínio sobre si mesmo, via-se obrigado, por uma pedagogia exigente, e muito eficaz, a humilhar-se. O exercício que lhe era solicitado era o da submissão. Era também o da fidelidade, do esquecimento de si. (Mongelli)
«O poema é o acto espiritual por excelência» E. Levinas
O poema pode conter: coisas certas, coisas incorrectas, venenos para manter fora do alcance excursões campestres, falhas de memória uma bicicleta caída junto às primeiras paixões sombrias Pode conter Le matin, Le midi, Le soir audácias típicas de um visionário uma guerra civil um disco dos Smiths correntes marítimas em vez de correntes literárias
Se vieres dos lados da Ribeira, depressa reparas como os preços descem e a miséria aumenta em esplanadas de improviso, e ficam mais tristes e humanas as janelas.
Chegaste a Miragaia e quase não mentes se lhe chamares destino.
"Na hora de eleger o seu primeiro texto enquanto Director Artístico do TNSJ, Nuno CarinhasGil Vicente, depois de em 2007 ter organizado a extroversão de Beiras. A escolha incide sobre um auto de forte pendor religioso, escassamente frequentado por leitores e encenadores: Breve Sumário da História de Deus. Estreado na corte de D. João III “na era do Senhor de 1527”, o auto propõe um especioso mosaico de passos das Sagradas Escrituras – da Queda do Homem à Ressurreição de Cristo – e possui uma densidade retórica que, cruzando a exaltação lírica e o impulso satírico, amplia as potencialidades de representação muito para lá do mero intuito doutrinal. Da adoração de Abel à “voz que clama no deserto” de João Baptista, passando pelas provações de Job ou pelas profecias de Isaías, Vicente promove um castingblockbusters de Hollywood) a maior história de todos os tempos. Também habitado por figuras malignas e pelas alegorias do Mundo, do Tempo e da Morte, Breve Sumário da História de Deus revela-nos, afinal, a misteriosa condição de criaturas cuja desesperada humanidade se redime na esperança de Deus." opta por regressar a bíblico para contar (usemos, para efeitos promocionais, o título de um dos
As noivas
De Santo António
Que exigem
Casar
Com Santo António
À porta
Do tribunal
A Eva
Do Natal
Que dá
Um andar
Que não é
Uma cave
Adília Lopes
A RELIGIÃO
"Foi no habitual mês de festas, romarias e regressos dos emigrantes para as vacances que o País se pôs a cantarolar o Pimba, já lá vão onze anos. A moda pegou. E logo o termo foi adoptado para catalogar, a bem ou a mal, a nova roupagem da cantiga popularucha, de rima fácil, brejeira, provocadora.
A velha canção melosa e delicodoce ganhou então mais frenesim, baloiço de ancas e atrevimento. À conta disso, Miguel Gomes, 34 anos, realizador, anda por Arganil, a recolher imagens de arraiais e festas. «Já filmei uma banda que tinha um bebé de seis meses em palco», diz o cineasta, apostado, nesta fase, no registo documental para o seu filme Aquele Querido Mês de Agosto.
O melodrama é inspirado numa cantiga do mítico Dino Meira. O fundo musical é pimba. Ou, como prefere Miguel, «a música ligeira, romântica que se faz por aí». Para este trabalho, já ouviu mais de 300 canções e até ficou fã do grupo Diapasão. «Não tenho um olhar maldoso sobre este universo. Os sentimentos das pessoas que ouvem e gostam destas músicas são tão intensos e complexos como os de quem ouve Bach». Se assim não fosse, Carina António, de 22 anos, nunca iria em peregrinação até à Palhaça, por ocasião das festas da Senhora da Memória. Óculos, cara redondinha, a jovem viajou de Santarém até àquela freguesia de Oliveira do Bairro numa noite de segunda-feira para assistir ao seu enésimo concerto de Tony Carreira, o quebra-corações do momento. «Sigo-o para todo o lado, até faço directas para chegar cedo ao restaurante onde trabalho. Mas ele compensa tudo», diz, segurando um álbum com dezenas de fotos de Tony e do saxofonista Vítor, mais conhecido como o Brad Pitt do Seixal.
Entradas a cinco euros, barracas à nora com as bifanas, tendas com Noddys de pilhas, um terreiro quase às escuras e acidentado, eis o cenário no qual se enlataram casais com carrinhos de bebé, velhinhos de muletas e pares de namorados. Na assistência, vêem-se coelhinhos de peluche, rosas, cartazes com declarações de amor e um enxame de máquinas digitais e telemóveis a flashar o cantor. Este, primeiro de fato escuro às riscas, e depois já de ganga e camisa vermelha, ouve gritinhos enquanto pede mãozinhas no ar. «Cavaleiro andante, de abrigo em abrigo», Tony passa, nas suas músicas, a ideia de «eterno vagabundo».
Elas gostam. E engrossam a fila para os autógrafos. Um aparato tal que «nem no Estádio do Dragão se vê tanta segurança», ouvia-se.
O cantor, esse, esteve blindado. Quando o staff do mais-que-tudo da canção romântica quis impor a escolha das fotografias para a reportagem, o nosso papel na Palhaça esgotou-se.
Se a clausura fosse proporcional ao sucesso, Roberto Leal já estaria num altar ou fechado a sete chaves como uma freira carmelita.Não é o caso.
Quinze milhões de discos vendidos depois, o português com o sotaque mais famoso do País continua tão acessível como o cidadão António Joaquim Fernandes, natural de Vale da Porca, que um dia rumou ao Brasil e adoptou o nome artístico de Roberto Leal. Em São Martinho de Anta, ele entrou em cena às duas da manhã, no momento alto das festas da Senhora da Azinheira. No largo principal da terra, nem os jovens que, no início, torciam o nariz, resistiram ao batuque, sanfona e jogo de bunda das bailarinas. «Roberto, és o maior!», gritavam. E ele, todo de branco, entremeando a canção de puxar lágrima, os vivas ao Senhor, o hino de Portugal e os calores de palco, lá acabou a beijar Toninho na testa, velho amigo dos tempos difíceis do Brasil."
Miguel Carvalho, in Aqui na Terra)