AS RAÍZES DO VOO | Ana Luísa Amaral



AS RAÍZES DO VOO

 São as cores?
Ou declarar-me assim a esta árvore?
Num sobressalto, desassossego
lento – as colmeias de ramos e de folhas,
o corpo em curvas densas,
as raízes,
e, delicadamente, o coração

Apaixonar-me e outra vez,
e agora por um tempo de nervura
acesa, o fogo – e sem palavra que chegasse
para habitar o mundo:
são as cores, dir-lhe-ia,
ou os meus olhos?

E se faltar olhar, ouvido, cheiro, mãos,
ver-te sem ver, sentir-te sem sentir:
neste musgo e por dentro
poder perder-me, fingir-me distraída
pelo puro prazer de me fingir,
sem sossego nenhum
– aprender a voar –
pelo desassossego de um dedo
preso à terra

Mas se as asas faltarem,
serão sempre as cores,
uma leve impressão de nervos, digital,
de qualquer coisa
 Há-de ser isto assim:
luz para além de azul,
paz muito além do verde a respirar
– ou eu, igual ao sol,
comovendo-me em ar e
por raízes –


Ana Luísa Amaral

O Ano do Pensamento Mágico



"Os fantasmas não sujam nem desarrumam nem deixam marcas. Da porta ao fundo da sala de estar, talvez 100 metros quadrados, tudo está impecável. No hall de entrada estão perfeitamente arrumadas as fotografias e as flores; o telefone, uma caneta e o bloco de post-its com o nome do casal Didion/Dunne estão alinhados sobre uma pequena mesa. A história está à vista e o que se vê é o que é, a história já não vai mudar. É a casa de toda-uma-vida ainda que ela não tenha vivido aqui toda a vida. Mas as memórias de toda-uma-vida estão nas paredes – nas fotografias ampliadas e assinadas ou nas fotografias mais modestas do marido e da filha e dos três juntos –, estão nas mobílias e estão em todos os gestos que não chegam para encher uma casa vazia. Viver em Manhattan é um sonho. Viver no Upper East Side é um sonho dentro do sonho. A casa é de sonho e de uma elegância que tem pouco a ver com a vulgaridade das lojas de estilistas nos passeios lá em baixo (Yves Saint Laurent e Tom Ford as mais próximas). O sonho é aquilo que fica, mesmo se já não estão as pessoas que o sonham."

Susana Moreira Marques

Excerto de “Quem é Joan Didion”. In O Ano do Pensamento Mágico: [Programa]. Lisboa: Teatro Nacional D. Maria II, 2009. p. 11. (daqui)

O Ano do Pensamento Mágico | de Joan Didion * encenação de Diogo Infante * Eunice Muñoz

Anotar: dia 15 vamos ao teatro! 



O Ano do Pensamento Mágico | Joan Didion
Encenação de Diogo Infante Com Eunice Muñoz
Eunice está de regresso ao Teatro Nacional D. Maria II. Estas são as palavras mágicas e o resultado é uma casa cheia de espectadores prontos a acarinhar a actriz, a única que podemos nomear sem que seja necessário acrescentar o apelido. Por sua vez, o texto da escritora norte-americana Joan Didion já foi aclamado em Londres.
Em 2003, o marido de Joan Didion morre de ataque cardíaco e, um ano e meio mais tarde, morre a filha. Publicado em 2005, O Ano do Pensamento Mágico foi escrito para exorcizar a autopiedade, fazer o luto, recuperar os mortos e deixá-los partir. Adaptado ao teatro pela autora, o monólogo expõe a dor terrível e íntima, aquela de quem perde os seres que lhe são mais queridos. O "pensamento mágico" começa quando o vazio se instala e a mente começa a ensaiar truques (se guardar os sapatos, ele vai voltar) na esperança de que o morto regresse, contra todas as regras da racionalidade.
Contida, sóbria, Eunice Muñoz compõe a narrativa da perda de forma arrítmica, reproduzindo os movimentos da memória, que fixa e perde pormenores. O relato é minucioso e cada palavra tem um peso. Algumas pausas em lugares inesperados suspendem a descrição, que logo é retomada, embora nem sempre com o mesmo nível de intensidade.
Exímia na arte de dizer, Eunice enche o palco. Atrás da actriz, a cenografia (Catarina Amaro) sugere o drama nas ramificações que se descobrem e crescem, figurando a ampliação da dor - coroas de espinhos entrelaçadas, ou uma rede de sinapses que guardam a saudade. A estrutura destaca-se através das colorações frias de azul e roxo, passando pelo rubor alaranjando e, depois, vai desaparecendo, seguindo o movimento de aceitação (desenho de luz de Miguel Seabra). Não estando em causa o profissionalismo da produção, a questão coloca-se no plano das intenções.
Este é um espectáculo concebido para os aplausos. A palavra mágica "desafio" tudo justifica e engrandece. O monólogo é um desafio, pôr em cena a experiência da morte, contada na primeira pessoa, é outro desafio. A coragem de Joan Didion alia-se à coragem da actriz e temos os instrumentos certos para apertar o coração ao espectador. Frases como "Pensam que só acontece aos outros, mas um dia acontece-vos a vocês" e "A vida muda num instante" trilham o caminho directo às bolsas lacrimais. Pode não ser fácil, mas é demasiado óbvio. O tema, que se quer universal, estabelece uma relação perversa com o sucesso, graças aos nomes, aos prémios (tanto a autora como a actriz são multipremiadas), ao registo confessional. O piano pungente que, no final, acompanha a imagem das ondas projectadas numa tela, é mesmo excessivo, para não dizer kitsch.
Num espectáculo tão repleto de mensagem que lembra o programa de Oprah Winfrey, temos como consolação final a geologia, que ensina a permanência para além da transformação. Podemos ser solidários com a autora, se ela quer exibir o seu luto e dar o exemplo de bravura. A história real, a confissão pública, tudo parece legitimar. Mas é preferível que não nos atirem à cara a consciência da morte ou manipulem as memórias dolorosas para fazer um bom espectáculo. Cada pessoa tem os seus mortos para cuidar. Não há lições de vida.
Rita Martins (Público)

Diálogo para um personagem de Andrei Tarkovskii | José Tolentino Mendonça


Diálogo para um personagem de Andrei Tarkovskii

dizer-te é inclinar-me
sobre o
silêncio

faz que eu seja
o choupo
todo dobrado
na face pressentida
das águas

José Tolentino Mendonça
A noite abre meus olhos [poesia reunida]

Bolor, de Augusto Abelaira | por Filipa Miguel



-Por que casaste comigo em vez de casar com outra? Por que me escolheste a mim como imagem da vida quotidiana, ponto de referência em relação ao qual uma diferente vida é possível - vida, parêntesis, na realidade inútil de todos os dias?”


"Se falo aqui da Maria dos Remédios e da minha vida com ela é por-que algo em nós ficou incompleto, é porque não achamos em nós esse absoluto, essa perfeição que a si mesma se basta."

Humberto, a personagem principal, reflecte, neste diário, sobre diversas situações da sua vida.
Humberto é advogado e casado, há seis anos, com Maria dos Remédios. Trata-se de um segundo casamento, pois o nosso protagonista era viúvo de Catarina.
Humberto lamenta-se, no diário,  das dificuldades de comunicação com Maria dos Remédios, determinada altura a voz de Maria dos Remédios intromete-se no Diário: ela passa a escrever aquilo que não consegue dizer de viva voz. Ainda, assim o entendimento continua a não existir (até se complica).
Aparentemente, à excepção da relação que mantém com Maria dos Remédios, tudo na vida de Humberto é perfeito: a vida profissional, as amizades.  - "com os meus amigos e com o meu trabalho, sou (descubro hoje)perfeitamente feliz" - Porém, também pelo diário ficámos a saber que Aleixo, o seu melhor amigo, mantém uma relação extra-conjugal com com Maria dos Remédios. Leonor, mulher de Aleixo, é a primeira a descobrir, mas, pela sua reacção, não parece demasiado afectada.

Filipa Miguel


Augusto Abelaira (1926 -2003) - biografia aqui e aqui.
Augusto Abelaira nasceu em Cantanhede em Março de 1926. Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas. A par do seu trabalho como escritor, tem exercido os cargos de professor, jornalista (no Diário Popular e no Jornal de Letras), director de programas da RTP e director das revistas Vida Mundial e Seara Nova. Em 1963, ganhou o Prémio Ricardo Malheiros da Academia das Ciências como romance As Boas Intenções. Em 1979, ganhou o Prémio Cidade de Lisboa com o romance Sem Tecto entre Ruínas. Em 1997, foi distinguido com o Grande Prémio de Romance e Novela da APE com o romance Outrora, Agora.



- Questões que Bolor levanta:

-  A existência de um "eu" não-linear (vários "eu" surgem no texto)
- Obsessão pelo passado;
- Dificuldade da comunicação (incomunicabilidade);
- Fragmentação do texto;
- Narrativa aberta;
- Processo de auto-transfiguração (ver-se continuamente de outra perspectiva).

Ler mais aqui.

Ainda bem que o natal acabou | Carlos Alberto Machado


Ainda bem que o natal acabou


Ainda bem que o natal acabou
logo que soaram as doze
descolei os lábios da mesa
vomitei as doçarias todas
para cima das notícias
que anunciavam a morte
algures onde o natal
é regado com sangue


e as rolhas das garrafas
são tiros cegos e certeiros
matam velhos e crianças
em natal ou em belém
para o ano haverá mais 
se a dor aguentar até lá
nós aqui e eles no inferno
uma data é uma data
e é preciso comemorá-la


com sangue e com lágrimas
um dia os meus lábios
ficarão para sempre
agarrados à toalha de linho.


Carlos Alberto Machado
A Realidade Inclinada, Averno, 2003

Livros para o sapatinho | Carlos Fiolhais


- Luísa Costa Gomes, Ilusão (ou o que quiserem), D. Quixote.
 Um romance que retrata um país e um tempo onde a escola parece sem rumo. Veja-se, por exemplo, este trecho em que Jorge trava o seguinte diálogo com a sua mulher, a "sotôra" Teresinha, professora de Português: "O ensino tem de ser centrado no aluno!", ajudei. "Não vês que é exactamente o que estou a fazer?" E disse à Jessica: "Fazes uma composição como se estivesses a escrever mensagens aos teus amigos. Experimenta. E ela aceitou o desafio." A Teresinha estende-me então meia folha, mal rasgada ao meio e muito amarrotada: "k ir ao c kumersial? tou tesa! vi la uma caia bué! bora ao kafe! ta de xuva! Tns money? O kajo tb vai! e ka um pao! k tu! kto custa? k? a caia! cei la! m e pra saber, fdse! tnsmoney? não! atao nao da." "É um princípio", disse eu (...). Depois de uma negociação interessante, comprometeu-se a ler os bilhetes de autocarro e os menus do McDonald. São coisas da vida de todos os dias e afinal nós estamos a educar para a vida." 


Provavelmente, o melhor livro que li este ano. 

O Rei que o povo escolheu...

 


O 4.ºA, da Eb1 da Corujeira, depois de um requintado lanche, brindou-nos com uma encenação de uma cantiga de amigo de D.Dinis (Ai flores, Ai flores...) e com uma dramatização do milagre das rosas. Nós levamos o "nosso" repórter da história - FERNÃO LOPES - e contámos como o Mestre de Avis se livrou do Conde Andeiro e foi acolhido em glória pelo povo!
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UM LUGAR PARA OS CLÁSSICOS | O rei que o povo escolheu

É já amanhã que vamos à EB1 da Corujeira apresentar uma leitura dramatizada do
do Capítulo XI da Crónica de Fernão Lopes: “Do alvoroço que foi na cidade cuidando que matavom o Meestre, e como aló foi Alvaro Paaes e muitas gentes com ele”.

Amanhã,  daremos a conhecer ao 4.ºA Fernão Lopes e o Mestre de Avis, o rei que o povo escolheu.







Um data em cada mão | Llansol

 "Há no meu espírito uma parte de obscuridade e uma parte de luz; na obscuridade guardo esquecido, o que soube até que surja o momento de lembrar-me, e que pode  nunca mais chegar, ou chegar para projectar o passado aberto no futuro, o velho no novo, o nunca visto junto do já visto." (Maria Gabriela Llansol, pg. 24)

Não penso no amor de um casal como numa casa fechada, isto, pela minha própria definição de amor, pela pulsão de amor, que não existe se não for comunicável. Por que formas? Moldável a que tipo de troca com outros? Isso não sei. (Llansol, 25)

Festa da Poesia, em Matosinhos



Dia  7 [Destaque]
  

17.30h - Diálogos” - Recital de Poesia com José Fanha, Francisco Mendes e António Palma (Piano)
18.30h  - O Som das Palavras com..., Sam the Kid, New Max e NBC, com moderação de Francisco Mendes.

Dia  8  [Destaque]

17.30h  - Mesa redonda: Em torno da Poesia com... valter hugo mãe, João Luís Barreto Guimarães, José Mário Silva, Ana Luísa Amaral, Manuel António Pina, moderação a cargo de Isabel Pires de Lima.
 (consulta o programa completo aqui)

Torre do Tombo


A Torre do Tombo é de uma das instituições mais antigas de Portugal.
Desde a sua instalação numa das torres do castelo de Lisboa, ocorrida provavelmente no reinado de D Fernando e seguramente desde 1378, data da primeira certidão conhecida, até 1755, prestou serviço como Arquivo do rei, dos seus vassalos, da administração do reino e das possessões ultramarinas, guardando também os documentos resultantes das relações com os outros reinos.
Além de servir a administração régia, com funções semelhantes às de um arquivo intermédio dos nossos dias, o serviço mais importante prestado pela Torre, foi o das certidões, solicitado pelos particulares e pelas instituições. Mediante autorização régia, facultou a consulta e mesmo o empréstimo de documentos, a alguns estudiosos, cujas obras foram depois impressas.
No século XVII, começou a ser organizado o Arquivo do Arquivo, surgindo os primeiros livros do seu registo, fizeram-se alguns índices.
No século XVIII, o crescente número de certidões solicitado à Torre do Tombo, onde avultam as pedidas pela Academia de História, fez aumentar o número dos seus oficiais. Neste século, no âmbito da descrição dos documentos, realizaram-se numerosos índices, indo ao encontro da necessidade de se conhecerem os documentos e de se criarem os instrumentos de pesquisa necessários à sua recuperação: este trabalho iniciou-se e decorreu, em boa parte, no edifício da torre do castelo: assim foram elaborados a maioria dos índices das Chancelarias régias (1715-1749), das Leis e Ordenações (1731), das Bulas (1732), dos moradores da Casa Real (entre 1713 e 1742), o inventário das Bulas, Breves e trasuntos pontifícios (1751-1753).
No dia 1 de Novembro de 1755, a torre ruiu durante o terramoto. A documentação foi recolhida dos escombros, e guardada, temporariamente, numa barraca de madeira, construída na Praça de Armas, após autorização do Marquês de Pombal, datada de 6 de Novembro.
Em 26 e 27 de Agosto de 1757, foi transferida para uma parte do edifício do mosteiro de São Bento da Saúde, da lado da Calçada da Estrela, ocupando as instalações designadas por Casa dos Bispos e compartimentos contíguos, que foram arrendados ao mosteiro. (continua)

Máquinas...

Já estamos a trabalhar no assunto... Em breve teremos novidade...
Para já fica o "esquisso" desta turma da E.S.A.S....

Alguém reconhece o "traço"?