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O Ano do Pensamento Mágico | Joan Didion
Encenação de Diogo Infante Com Eunice Muñoz
Eunice está de regresso ao Teatro Nacional D. Maria II. Estas são as palavras mágicas e o resultado é uma casa cheia de espectadores prontos a acarinhar a actriz, a única que podemos nomear sem que seja necessário acrescentar o apelido. Por sua vez, o texto da escritora norte-americana Joan Didion já foi aclamado em Londres.
Em 2003, o marido de Joan Didion morre de ataque cardíaco e, um ano e meio mais tarde, morre a filha. Publicado em 2005, O Ano do Pensamento Mágico foi escrito para exorcizar a autopiedade, fazer o luto, recuperar os mortos e deixá-los partir. Adaptado ao teatro pela autora, o monólogo expõe a dor terrível e íntima, aquela de quem perde os seres que lhe são mais queridos. O "pensamento mágico" começa quando o vazio se instala e a mente começa a ensaiar truques (se guardar os sapatos, ele vai voltar) na esperança de que o morto regresse, contra todas as regras da racionalidade.
Contida, sóbria, Eunice Muñoz compõe a narrativa da perda de forma arrítmica, reproduzindo os movimentos da memória, que fixa e perde pormenores. O relato é minucioso e cada palavra tem um peso. Algumas pausas em lugares inesperados suspendem a descrição, que logo é retomada, embora nem sempre com o mesmo nível de intensidade.
Exímia na arte de dizer, Eunice enche o palco. Atrás da actriz, a cenografia (Catarina Amaro) sugere o drama nas ramificações que se descobrem e crescem, figurando a ampliação da dor - coroas de espinhos entrelaçadas, ou uma rede de sinapses que guardam a saudade. A estrutura destaca-se através das colorações frias de azul e roxo, passando pelo rubor alaranjando e, depois, vai desaparecendo, seguindo o movimento de aceitação (desenho de luz de Miguel Seabra). Não estando em causa o profissionalismo da produção, a questão coloca-se no plano das intenções.
Este é um espectáculo concebido para os aplausos. A palavra mágica "desafio" tudo justifica e engrandece. O monólogo é um desafio, pôr em cena a experiência da morte, contada na primeira pessoa, é outro desafio. A coragem de Joan Didion alia-se à coragem da actriz e temos os instrumentos certos para apertar o coração ao espectador. Frases como "Pensam que só acontece aos outros, mas um dia acontece-vos a vocês" e "A vida muda num instante" trilham o caminho directo às bolsas lacrimais. Pode não ser fácil, mas é demasiado óbvio. O tema, que se quer universal, estabelece uma relação perversa com o sucesso, graças aos nomes, aos prémios (tanto a autora como a actriz são multipremiadas), ao registo confessional. O piano pungente que, no final, acompanha a imagem das ondas projectadas numa tela, é mesmo excessivo, para não dizer kitsch.
Num espectáculo tão repleto de mensagem que lembra o programa de Oprah Winfrey, temos como consolação final a geologia, que ensina a permanência para além da transformação. Podemos ser solidários com a autora, se ela quer exibir o seu luto e dar o exemplo de bravura. A história real, a confissão pública, tudo parece legitimar. Mas é preferível que não nos atirem à cara a consciência da morte ou manipulem as memórias dolorosas para fazer um bom espectáculo. Cada pessoa tem os seus mortos para cuidar. Não há lições de vida.