Pudor excessivo e o Método, Gonçalo M. Tavares


Pudor excessivo e o Método
Gonçalo M. Tavares



Nota 1: A posição das máquinas
Comecemos: o excesso é um elemento que existe apesar das máquinas, existe contra as máquinas. Nenhuma máquina é excessiva.
Ernst Jünger fala na “energia segura” das máquinas; poderemos ainda falar na energia previsível, na energia que dá resto zero. E só não dá resto zero, só não dá certo quando avaria. Uma máquina excessiva é uma máquina avariada. Porque as máquinas foram construídas – e são ainda – para controlar a perturbação do mundo, para colocar uma rédea eficaz em redor do estúpido pescoço do aleatório.

Não queremos acontecimentos que nos tratem como estúpidos (como nos tratam as surpresas), queremos sim introduzir a racionalidade nos acontecimentos do mundo, e daí as máquinas. As coisas acontecem com uma racionalidade, com uma razão no seu sentido primeiro - razão de cálculo que coloca em relação dois números.
A razão humana é então o que, em última análise, se consegue resumir a dois números; e esses dois números lutam ou distribuem segredos entre si, e depois acalmam-se. E é importante afirmá-lo: a razão é a relação entre dois números, não é a relação entre um número e uma catástrofe, entre um número e um louco. Uma catástrofe não é racional; não pertence às operações que dominamos.

Nota 3 – A posição das máquinas

Uma máquina excessiva é uma máquina perigosa, é uma máquina má. Porque não a controlamos. E pelas razões de sempre: não é da nossa carne. Máquina excessiva, eis o perigo: tem à partida outra carne, e essa carne, para mais, está desarrumada, descontrolada; não sabe como parar - é imprevisível. O pesadelo para a tecnologia não é o decreto que impõe o fim das máquinas, é o aparecimento da Máquina excessiva. Da máquina excessiva que dê origem a outras máquinas excessivas. Da coisa se descontrolar no mundo que apareceu para controlar.
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Um comentário:

Manuel Margarido disse...

Lindo!

"A razão humana é então o que, em última análise, se consegue resumir a dois números; e esses dois números lutam ou distribuem segredos entre si, e depois acalmam-se. E é importante afirmá-lo: a razão é a relação entre dois números, não é a relação entre um número e uma catástrofe, entre um número e um louco. Uma catástrofe não é racional; não pertence às operações que dominamos."

Lindo, repito.