Curso intensivo de Jardinagem, Margarida Ferra [dois poemas]





Foi quando as palavras 
se prenderam na minha garganta,
uma a uma, abri a boca
e espalhei na sala, depois
do jantar, alguns bocados antigos.

Ouvi mais uma vez o sinal interrompido,
quando quis escutar-te por dentro
(outra vez este plano),
os algarismos, fixos
na minha memória, um a um.
As minhas mãos sobre ti já
discaram quatrocentos números iguais aos teu.
Não sei o que são frases, a única sequência
está nos meus dedos. Debaixo deles,
tu, mais uma década, e duas vezes
o sete antes da tua voz.

Estamos agora longe
e não sabemos ainda
que esse de quem te falo
é o próximo e o último.
Estamos agora longe, melhores.

Mas preferia não saber
nunca o teu lugar exacto,
coordenadas cegas,
dois números em qualquer cidade.

***


Ontem adormeceste, ainda
tínhamos as facas todas na boca
e três por abrir.
Ficou uma pousada
em equilíbrio geométrico
na linha dos lábios.
Não sei de quem eram
esses lábios onde
o gume imóvel não deixava sair
as palavras duras
e, mais tarde, os pesadelos.
Outras o cabo na minha mão,
esqueci-a  antes da última
costela flutuante
depois do coração.

De manhã éramos só nós, frios,
e a memória das cinzas na rua.

A terceira foi como se nunca tivesse existido.

Margarida Ferra, Curso Intensivo de Jardinagem, & etc, Lisboa, 2010.

(*) Margarida Ferra tem 32 anos e é licenciada em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Trabalhou numa pizzaria, num jornal, numa galeria de arte contemporânea, em duas livrarias e no Palácio da Ajuda. É responsável, desde Janeiro de 2009, pela área de comunicação da Quetzal Editores [daqui]

Mulher a adias do texto - aqui



Um comentário:

Anônimo disse...

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