Destino
Quem disse à estrela o caminho
Que ela há-de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta «Florece!»
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?
Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?
Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem...
Ai!, não mo disse ninguém.
Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino .
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.
Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas'
1. Desde o início do poema até ao verso 12,
repete-se um mesmo processo estilístico: a pergunta retórica.
Refira o efeito de sentido que esse processo
estilístico produz.
A pergunta retórica, que, portanto, não é para
ser respondida, produz, pela sua insistência (vv. 1 a 12),um efeito de
convicção: a resposta às sucessivas interrogações, que seria, por exemplo,
«ninguém» (v. 16), sublinha a predestinação que parece conduzir todas as coisas
e todos os seres, e cuja força é revelada pelo «instinto» (v. 20).
2. Comente a importância das referências a elementos da
natureza feitas ao longo do poema.
As referências a elementos da natureza, isto é, à
«estrela» (v. 1), à «ave» (v. 4), à «planta» (v. 5), ao «verme» (v. 6), à
«abelha» (v. 9), ao «prado» (v. 10), à «flor» (v. 11) e aos seus movimentos ou
modos de
vida funcionam como a demonstração de uma
capacidade, intrínseca a todos os seres, de serem fiéis ao seu destino. Através
destas referências, pretende-se transmitir a ideia de espontaneidade e de
inevitabilidade do amor que o «eu» sente, como se esse amor fosse uma força da
natureza, independente da sua vontade.
3. Indique os traços principais do «tu» a que o sujeito lírico
diretamente se dirige, fundamentando a resposta em elementos do texto.
O «tu» é o objeto do amor apaixonado do «eu», num
sentido que parece indicar a total identificação entre ambos. Do «tu» é
destacado um elemento concreto, os «olhos» (v. 14), que são o que melhor pode
caracterizar a intensidade dessa identificação. Além disso, o adjetivo que
marca a expressão «no teu seio divino» (v. 21) é um traço da qualidade única e
sagrada de que o «tu» se reveste aos olhos do «eu».
4. Explicite as relações que se podem estabelecer
entre o título e o conteúdo do poema
O título do poema, «Destino», palavra que depois
é repetida no verso 22, desta vez associada ao amor que o «eu» sente, é a
resposta às perguntas retóricas colocadas na primeira parte do poema, resposta
reforçada
pela palavra «instinto» (v. 20), extensiva a
«todo o ente» (v. 19). Sentido essencial do poema, o «Destino» marca uma visão
romântica da natureza, animada por uma ordem perfeita e predeterminada, e do
amor humano como parte dessa harmonia.
Relações intertextuais
Olha,
Marília, as flautas dos pastores
Que bem que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes
Os Zéfiros brincar por entre flores?
Que bem que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes
Os Zéfiros brincar por entre flores?
Vê como ali beijando-se os Amores
Incitam nossos ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores.
Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folgas a abelhinha pára,
Ora nos ares sussurrando gira:
Que alegre campo! Que a manhã tão clara!
Mas ah! Tudo o que vês, se não te vira
Mais tristeza que a morte me causara.
Bocage
A F., favorecendo com a boca
e desprezando com os olhos
Quando o Sol nasce e a sombra principia,
A doce abelha, a borboleta airosa
Procura luz ardente e fresca rosa,
Que faz a Terra céu e a noite dia.
Mas quando à flor se entrega, à luz se fia,
Uma fica infeliz, outra ditosa,
Pois vive a abelha e morre a mariposa
Na favorável rosa e chama impia.
Fílis, abelha sou, sou borboleta
Que com afecto igual, com igual sorte,
Busco em vós melhor luz, flor mais selecta,
Mas quando a flor é branda, a chama é forte,
Néctar acho na flor, na luz cometa,
A boca me dá vida, os olhos morte.
e desprezando com os olhos
Quando o Sol nasce e a sombra principia,
A doce abelha, a borboleta airosa
Procura luz ardente e fresca rosa,
Que faz a Terra céu e a noite dia.
Mas quando à flor se entrega, à luz se fia,
Uma fica infeliz, outra ditosa,
Pois vive a abelha e morre a mariposa
Na favorável rosa e chama impia.
Fílis, abelha sou, sou borboleta
Que com afecto igual, com igual sorte,
Busco em vós melhor luz, flor mais selecta,
Mas quando a flor é branda, a chama é forte,
Néctar acho na flor, na luz cometa,
A boca me dá vida, os olhos morte.
Jerónimo Baía
Está
o lascivo e doce passarinho
Com o biquinho as penas ordenando,O verso sem medida, alegre e brando,
Espedindo no rústico raminho.
O cruel caçador (que do caminho
Se vem calado e manso desviando),
Na pronta vista a seta endereitando,
Lhe dá no Estígio lago eterno ninho.
Destarte o coração, que livre andava
(Posto que já de longe destinado),
Onde menos temia, foi ferido.
Porque o Frecheiro cego me esperava,
Pera que me tomasse descuidado,
Em vossos claros olhos escondido.
Camões
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