Não me importa o pão quando não o divido:
farta mesa triste sem companhia. Na tua
ausência não há fome que me devore, e a
gota de vinho na toalha é só mais um borrão
num poema sozinho. Antes de ti nunca
tive apetite pela vida, as costelas vincadas
na camisa. Tantos cães escanzelados iguais
a mim cumprindo a solidão das avenidas,
e tão poucas as esquinas. Milagre mesmo
foi teres parado numa para me alimentares.
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Não tenho planos, nem promessas, nem
filhos que nos convidem para almoços
de domingo – a minha ideia de família
resume-se a um retrato velho preso numa
gaveta; e do amor possível sei tão-só
o que li nos romances que nos salvaram
da desordem quando o meu tempo
andava de ferida em cicatriz. Mas guardo
ainda muitos por estrear para essa estante
que ergueste no corredor como uma casa
nova. Trago portas abertas no coração:
se ainda não sabias, és muito bem vindo.
Maria do Rosário Pedreira in Poesia reunida
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