OS BOIS E OS LIVROS
Os bois não sabem ler e também não fingem que sabem. É por isso que nunca ninguém viu nenhum boi com um livro debaixo do braço. Mas há gente que tem a mania de ligar os bois aos livros. Ouve-se às vezes dizer: aquele não conhece uma letra nem do tamanho dum boi. E um filósofo alemão, que usava uns enormes bigodes, afirmou certo dia que ler, ler bem, era verdadeiramente uma ruminação, que é o que os bois fazem depois de introduzir a comida na boca. E que é o que não faz a maioria dos que não são bois, isto é, os homens que lêem livros. Os bois não sabem ler e não gostam nem de ler nem de comer livros, esta é a verdade. Por isso andam a puxar carros de bois, a puxar charruas e quando vão às touradas andam a correr dum lado para o outro às marradas. Os homens que sabem ler, mesmo mal, que andam atrás ou à frente dos bois, conforme as circunstâncias, e que não vêem um boi doutra coisa chamam-se ribatejanos. Os meninos, a quem são dirigidas estas palavras de muita sabedoria, não devem imitar o analfabetismo dos bois nem os homens que andam atrás ou à frente deles. Não andar nunca à frente dos bois porque podem tropeçar e cair e serem pisados pelos bois, não andar atrás porque podem levar com os rabos dos bois na cara e, como já sabem ler, não querem com certeza voltar a ser analfabetos. Numa coisa, porém, devem imitar sempre os bois: na ruminação. E isto quer dizer: ler, ler bem, ler com os olhos e com o pensamento.
António José Forte (1931-1988), Uma Faca nos Dentes, 2.ª edição, aumentada, Parceria A. M. Pereira, p. 124, 2003.
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