Importas-te de continuar? # 2 [Gabriella]
[…]
Aproximei-me da janela, afastei as cortinas. Lá fora o horror é maciço.
A guerra rebentou. As pessoas correm, fogem para onde podem.
Mães protegem os filhos, levando-os nos braços. Estou horrorizado. Não consigo sair de casa. Só penso em Sara.
Ontem discutimos. Ela saiu e não sei nada dela. Estou preocupado, amo-a, mas ela irrita-me.
Nunca pensei perdê-la após longos anos. Sempre nos demos bem, mas estes dias ela tem-se tornado intransigente. Discutimos várias vezes. Mas agora, que está perdida, no meio desta vasta confusão. […]
Nunca me passou pela cabeça que esta guerra pudesse chegar ao Chile. Chegará a nós uma vitória fascista? O que ficará deste país? […]
Importas-te de continuar? # 2 [Juliana]
E se não escrever?
9 de Março
Ela vivia a rotina diária, sonhando todas as noites com um acontecimento que mudasse a rotina dos seus dias.
Eu não encontrava já nada que me fizesse sorrir, nem em casa, nem no emprego.
Estava a janela, embrenhado nos meus pensamentos, quando, em frente à minha janela, reparei nela.
Todos os dias apanhamos o metro juntos, todos os dias entravamos no mesmo edifício com o mesmo objectivo: sair dele.
Almoçávamos no mesmo café, em mesas distantes.
16 de Março
Começamos a ir juntos para o emprego, agora já não almoçávamos sozinhos. Conversávamos imenso e fomo-nos descobrindo.
23 de Março
Fomos jantar a casa dos meu pais. Eles gostaram da delicadeza dela.
Quando chegamos à nossa rua, ela beijou-me. Subimos e só voltamos no dia seguinte.
Ainda não acredito em tudo o que aconteceu.
Hoje recordo-me do dia em que pensei que estaria a escrever na página cento e quinze, recordo-me do medo, da incerteza de não saber o futuro.
Hoje abri o caderno na página duzentos e seis e fiquei a pensar no que lá escreverei.
Juliana Monteiro
“Só a imaginação transforma. Só a imaginação transtorna.” , Cesariny
Proposta de trabalho:
Ler o conto "Azul", de Ruben A., tendo por base a proposta de Mário Cesariny: “Só a imaginação transforma. Só a imaginação transtorna.” (A intervenção surrealista).
Linhas de análise:
- o maravilhoso como disfarce para a crítica à sociedade portuguesa e ao regime ditatorial;
- subversão;
- paródia do real;
- marcas do surrealismo;
- marcas que ancoram o texto à realidade social;
- decadência política da nação;
- ausência de nostalgia de um passado perfeito;
- princípio imaginativo em vez do princípio realista;
- enredo insólito;
- expedientes transgressores;
- intriga ancorada no efeito de real;
- identidade e perca de identidade.
Jeff Koons ( a propósito do kitsch)
"O kitsch é um termo de origem alemã (verkitschen) que é usado para categorizar objetos de valor estético distorcidos e/ou exagerados, que são considerados inferiores à sua cópia existente. São freqüentemente associados à predileção do gosto mediano e pela pretensão de, fazendo uso de estereótipos e chavões que não são autênticos, tomar para si valores de uma tradição cultural privilegiada." (in wikipedia)
Três poemas de Juliana Monteiro
Há alturas em que penso mais no título que no poema.
História sem Fim
Vejo um livro em branco aberto.
Pede-me para escrever na sua primeira página.
Conto-lhe uma história.
O livro, como se tivesse medo de perder um tesouro,
aprisiona-me nele.
Manhã provisória
Acordas-me e sinto que estás feliz.
Sem te perguntar, dizes que me amas.
Prometes nunca me deixar.
Dás-me um beijo sentido.
Levo-te à porta com um sorriso.
Dizes-me até logo.
Juliana Monteiro
"Pierce, grande Pierce, quão parecido", de Tiago "Bocage" Joel
Eis uma resposta ao primeiro desafio:
Importas-te de continuar? # 2
“11 de Dezembro
Olho para o papel branco (afinal um tudo-nada pardacento) sem a angústia de que falava Gaughin (ou era Van Gogh?) ao ver-se em frente da tela, mas com apreensão, apesar de tudo. Que vou eu escrever — eu, a quem nada neste mundo obriga a escrever? Eu, antecipadamente sabedor da inutilidade das linhas que neste momento ainda não redigi, dentro de alguns minutos (de alguns anos) finalmente redigidas?
Não sei: folheio ao acaso a página cento e quinze do meu caderno, ainda branca, ainda parda, e pergunto-me: daqui a dois, a três, a quatro meses, quando a alcançar — se a alcançar —, terei escrito uns milhares de palavras. Que palavras?
E fico perturbado, muito mais perturbado por essa página do que por esta, já em parte azulada e vazia de surpresas. Como saber se nela, hoje e durante um ou dois meses ainda branca, branca e situada no futuro, embora um futuro espacial, eu não contarei (não terei contado) coisas de cortar o coração? Sobre mim. Ou sobre o mundo, uma guerra, a vitória completa do fascismo, por exemplo.”
É com a angústia da página em branco que se inicia o romance Bolor, de Augusto Abelaira.
Continua o texto (não mais de 400 palavras) respeitando o registo de língua usado pelo autor e a tipologia textual.
"Camões, grande Camões, quão semelhante" - 1ª tarefa P.I.L.
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar c'o sacrílego gigante.
Como tu, junto ao Ganges sussurrante
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.
Ludíbrio, como tu, da sorte dura,
Meu fim demando ao céo, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.
Modelo meu tu és, mas... oh tristeza!...
Se te imito nos transes da ventura,
Não te imito nos dons da natureza.
Bocage
Primeira tarefa - P.I.L.:
Neste soneto, Bocage compara-se a Camões nos transes da ventura, porém, nota que se afasta dele no génio literário. Tendo por base este soneto, reescreve-o parodicamente, comparando-te tu a uma figura que admires.