Soneto Soma 14 X | Eugénio M. Castro (lido por Alberto Pimenta)
"MeIo e Castro mantém a forma e esvazia-a de conteúdo semântico, redu-la portanto a mera estrutura. A esta estrutura, porém, não falta nada, ela tem tudo em si mesma: as suas variaçães discursivas são tautologias. Tem um esquema rimático pouco usado mas interessante (ahab odcd ea'e fef) ; as qua'dras têm rimas pares, as tercetos rimas ímpares; os signos ·são' introduzidas em parte progressivamente, em signos são introduzidos, em efeito surpresa (o "8" aparece pela primeira vez na segunda quadra, tal como o "5"; o "9" surge só no último verso, e há ainda a grande omissão - talvez um tabu - do "7"). Há várias rimas internas e belas figuras; finalmente, cúmulo da beleza, há a chave de ouro do última verso, cuja soma é 28, e não simplesmente 14, como nos outros." (Alberto Pimenta, O silêncio dos poetas ; precedido de Reflexões sobre a função da arte literária)
O soneto "Soma 14X" é composto apenas por números, mas não deixa de respeitar as regras compositivas do soneto (duas quadras e dois tercetos). O soneto em questão, apresenta rimas numéricas. Sabendo-se com qual determinado verso rima é já possível saber qual o último dos cinco números que compõem o verso. Os outros quatro números do verso, resultaram de uma soma baseada no facto do total do verso dar 14. Note-se que não há um só verso repetido neste soneto. Observe-se ainda, que o último verso deste soneto, o verso "chave de ouro" dá soma 28 (duas vezes 14), como que a querer dizer que é um verso que vale mais do que os outros.
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não sei para que lado da noite me hei-de virar | Carlos Alberto Machado
não sei para que lado da noite me hei-de virar
onde esconder de ti o rio de fogo das lágrimas
quase a transbordar e acendo mais um cigarro
e falo atabalhoadamente de um futuro qualquer
e suspiro de alívio porque não ouves o que digo
ou se calhar também não sabes onde te esconderes
esperamos que se ilumine o lado certo da noite
é quando se esgotam as palavras e os silêncios
e a minha mão procura a tua e recebe
e a noite se unifica e todos os rios secam
menos um por onde navegamos
para abolir a noite
Carlos Alberto Machado, Registo Civil
onde esconder de ti o rio de fogo das lágrimas
quase a transbordar e acendo mais um cigarro
e falo atabalhoadamente de um futuro qualquer
e suspiro de alívio porque não ouves o que digo
ou se calhar também não sabes onde te esconderes
esperamos que se ilumine o lado certo da noite
é quando se esgotam as palavras e os silêncios
e a minha mão procura a tua e recebe
e a noite se unifica e todos os rios secam
menos um por onde navegamos
para abolir a noite
Carlos Alberto Machado, Registo Civil
Bolor, Carlos de Oliveira / Augusto Abelaira
Bolor
Os versos
que te digam
a pobreza que somos
o bolor nas paredes
deste quarto deserto
os rostos a apagar-se
no frémito
do espelho
e o leito desmanchado
o peito aberto
a que chamaste
amor.
Carlos de Oliveira, Cantata
“-Por que casaste comigo em vez de casar com outra? Por que me escolheste a mim como imagem da vida quotidiana, ponto de referência em relação ao qual uma diferente vida é possível - vida, parêntesis, na realidade inútil de todos os dias?” Bolor, Augusto Abelaira
Os versos
que te digam
a pobreza que somos
o bolor nas paredes
deste quarto deserto
os rostos a apagar-se
no frémito
do espelho
e o leito desmanchado
o peito aberto
a que chamaste
amor.
Carlos de Oliveira, Cantata
“-Por que casaste comigo em vez de casar com outra? Por que me escolheste a mim como imagem da vida quotidiana, ponto de referência em relação ao qual uma diferente vida é possível - vida, parêntesis, na realidade inútil de todos os dias?” Bolor, Augusto Abelaira
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Maria Altinha | Manuel da Fonseca
"Todos os anos, mulheres que vivem lá para o sul, ao pé do mar, atravessam as serras e espalham-se pela planície, para a monda e para o trabalho dos arrozais.
Trazem cantigas alegres e falas rumorosas, e o povo das vilas junta-se nos largos para as ver passar a caminho das herdades. E, nos primeiros dias da faina, à hora a que o manajeiro tem as palavras mais desejadas para os que andam curvados entre as espigas ou enterrados no lodo das várzeas, quando o sol desaparece e cigarras e ralos arrastam um traquinar que se perde pelos longes, as mulheres de ao pé do mar cantam coisas novas e coloridas.
Em volta do lume, malteses e ganhões calam as vozes pesadas e ficam-se a ouvi-las, com os olhos parados na noite, pensando nas terras da beira-mar, lá donde elas vieram. Que as cantigas das moças do sul têm o brilho das águas e a vivacidade das ondas. E as suas gargalhadas são naturais como um pincho de água trespassado de sol, saltando numa rocha. Elas trazem a frescura do mar para a charneca desolada." Manuel da Fonseca
Maria Altinha
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Registo Civil | Carlos Alberto Machado
MATÉRIA
I
Palavras
para te contar uma ausência
perdidas
palavras na desolação da ilha
palavras presas
e eu nelas.
II
Disseste há palavras forradas de silêncio
mas os homens acreditam nas palvras
com significados ou nos significados das palavras
nas falésias batidas pelo vento e pelo mar no inverno
descobrimos vestígios de esponjas multicolores
antigos pensamentos
cedendo à força dos nossos desejos.
***
Há um segredo que não dizes
abres os braços como as aves
as mãos acariciando as imagens
pergunto-te ainda uma vez
o segredo é não existirmos
o sol tardio nos nossos corpos.
****
Derramamos
muito do teu sangue
antes soubemos
que não é doce
o teu sabor
é bom sabê-lo
depois
nada.
Carlos Alberto Machado, Registo Civil, poesia reunida, Assírio & Alvim (2009)
I
Palavras
para te contar uma ausência
perdidas
palavras na desolação da ilha
palavras presas
e eu nelas.
II
Disseste há palavras forradas de silêncio
mas os homens acreditam nas palvras
com significados ou nos significados das palavras
nas falésias batidas pelo vento e pelo mar no inverno
descobrimos vestígios de esponjas multicolores
antigos pensamentos
cedendo à força dos nossos desejos.
***
Há um segredo que não dizes
abres os braços como as aves
as mãos acariciando as imagens
pergunto-te ainda uma vez
o segredo é não existirmos
o sol tardio nos nossos corpos.
****
Derramamos
muito do teu sangue
antes soubemos
que não é doce
o teu sabor
é bom sabê-lo
depois
nada.
Carlos Alberto Machado, Registo Civil, poesia reunida, Assírio & Alvim (2009)
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o poema feio | valter hugo mãe
o poema feio | valter hugo mãe
o poema feio
para o jamie stewart
para o jamie stewart
a princesa feia não casou mas, no tempo em que foi visitada por príncipes solteiros, querendo agradar, cortou uns palmos às pernas para ficar mais baixa e cómoda ao abraço, puxou pelos dedos para ficar com eles compridos, amassou os seios de encontro ao pescoço para subirem aos olhos da gente, rasgou os lábios para sorrir eternamente. agora, ali sentada, sozinha de amores, lembrava-se de ser impossivelmente a mulher que foi, mas os ratos passavam-lhe entre as falhas cortadas das pernas, e os dedos desjuntavam-se irremediavelmente murchos de encontro ao chão, os seios coagularam como calcificados com as marcas desorganizadas das mãos e os lábios articulavam apenas palavras de dentes, trituradas pelo osso da cabeça lentamente vertendo para fora da pele. conformada, a princesa feia, dizia à prioresa sua amiga que o vento estava louco. levantava-se instável e profundamente mortal, fechava a janela e voltava ao silêncio
(valter hugo mãe, "folclore íntimo"/ Cosmorama Edições)
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Lusofonia | Nuno Júdice
Lusofonia
rapariga: s.f., fem. de rapaz; mulher nova; moça; menina; (Brasil), meretriz.
Escrevo um poema sobre a rapariga que está sentada
no café, em frente da chávena do café, enquanto
alisa os cabelos com a mão. Mas não posso escrever este
poema sobre essa rapariga porque, no brasil, a palavra
rapariga não quer dizer o que ela diz em portugal. Então,
terei de escrever a mulher nova do café, a jovem do café,
a menina do café, para que a reputação da pobre rapariga
que alisa os cabelos com a mão, num café de lisboa, não
fique estragada para sempre quando este poema atravessar
o atlântico para desembarcar no rio de Janeiro. E isto tudo
sem pensar em áfrica, porque aí lá terei
de escrever sobre a moça do café, para
evitar o tom demasiado continental da rapariga, que é
uma palavra que já me está a pôr com dores
de cabeça até porque, no fundo, a única coisa que eu queria
era escrever um poema sobre a rapariga
do café. A solução, então, e mudar de café, e limitar-me a
escrever um poema sobre aquele café onde nenhuma rapariga se
pode sentar à mesa porque só servem cafés ao balcão.
...
Nuno Júdice, A Matéria do Poema, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2008
rapariga: s.f., fem. de rapaz; mulher nova; moça; menina; (Brasil), meretriz.
Escrevo um poema sobre a rapariga que está sentada
no café, em frente da chávena do café, enquanto
alisa os cabelos com a mão. Mas não posso escrever este
poema sobre essa rapariga porque, no brasil, a palavra
rapariga não quer dizer o que ela diz em portugal. Então,
terei de escrever a mulher nova do café, a jovem do café,
a menina do café, para que a reputação da pobre rapariga
que alisa os cabelos com a mão, num café de lisboa, não
fique estragada para sempre quando este poema atravessar
o atlântico para desembarcar no rio de Janeiro. E isto tudo
sem pensar em áfrica, porque aí lá terei
de escrever sobre a moça do café, para
evitar o tom demasiado continental da rapariga, que é
uma palavra que já me está a pôr com dores
de cabeça até porque, no fundo, a única coisa que eu queria
era escrever um poema sobre a rapariga
do café. A solução, então, e mudar de café, e limitar-me a
escrever um poema sobre aquele café onde nenhuma rapariga se
pode sentar à mesa porque só servem cafés ao balcão.
...
Nuno Júdice, A Matéria do Poema, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2008
Maçã - Rui Manuel Amaral
Maçã
Um homem decide plantar-se no meio dos campos, à espera de dar fruto. Durante muito tempo nada acontece.(Tempo durante o qual nada acontece)
Um dia, uma prodigiosa laranja irrompe de um dos lados da cabeça. O homem dá a laranja a comer a um crítico de laranjas. O crítico explica ao homem que aquele fruto não é uma laranja mas um pêssego e que, infelizmente, ele é alérgico a pêssegos. O homem repara então que a laranja, na verdade, não passa de um limão. E ele não gosta de limões. Decide acabar com aquilo. Desfaz em pedaços a maçã prodigiosa que tinha nascido da sua cabeça. E desta vez tudo se torna claro a seus olhos. E levantando a voz diz: "Então era isso!"
(Rui Manuel Amaral, Caravana, ed. Angelus Novus)
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Rui Manuel Amaral
Texto colectivo - sem pés, mas com cabeça... #2
A vida é imprevisível.
O teatro é diferente.
A vida é extraordinária
o teatro é o lugar do sonho
A vida é razoável
O teatro é um mun do de oportunidades
A vida desafia-nos todos os dias
O teatro é espontâneo
A vida são dois dias.
O teatro é fantástico.
A visa é uma seca.
O teatro é o sonho
A vida é única
O teatro é vida.
A vida também é teatro.
10.ºE
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Teatro
"Amo-te mais do que apenas mais um dia".
Ontem fomos ao teatro. Eunice Muñoz, sozinha em palco, encheu-o de outras vozes, de outros fantasmas. Naquele palco, naquela sala os fantasmas do texto, a autoficção, de Joan Didier, misturou-se com as biografias de cada um: com o já vivido, com o que adivinhamos que podemos viver.
Quem é que nunca acreditou que podia reverter o inevitável?
Quem nunca desejou acordar e perceber que tudo era mentira?
Quem nunca desejou acordar e perceber que tudo era mentira?
Os silêncios que ficaram depois das palmas dizem muito.
"Falta-nos uma única pessoa e o mundo inteiro fica vazio."
"As pessoas que perderam alguém parecem nuas porque pensam em si próprias como se fossem invisíveis".
"A melhor maneira de nos maltratarmos é voltarmos atrás"
"A vida modifica-se rapidamente. A vida modifica-se num instante. Sentamo-nos para jantar e a vida, como a conhecemos, acaba."
"Amo-te mais do que apenas mais um dia".
Para memória futura, quem esteve lá:
Cátia, Ana Isabel, Juliana, Joana, Inês, Raquel, Filipa, Bárbara, Rosinda, Mafalda, Joana D., a D. Cristina, os pais da Raquel, a Sara, a prof. Teresa, a prof. Elisa, a prof. Rosa Ana.
Texto colectivo - sem pés, mas com cabeça...
O dia cinzento é o meu reflexo hoje.
Gosto muito de você.
A vida é bela!
Sempre a sorrir.
Sorrir faz sempre bem, tanto a mim como a ti.
Ti amo!
Amo uma boa palavra para dizer a quem mais amo.
Mais do que tudo: eu amo-te.
Gosto muito de você.
A vida é bela!
Sempre a sorrir.
Sorrir faz sempre bem, tanto a mim como a ti.
Ti amo!
Amo uma boa palavra para dizer a quem mais amo.
Mais do que tudo: eu amo-te.
Concretizar os meus objectivos.
Todas as pessoas devem ser livres
Gosto muito de vocês
Devemos aproveitar todos os segundos que a vida nos dá.
Todas as pessoas devem ser livres
Gosto muito de vocês
Devemos aproveitar todos os segundos que a vida nos dá.
Dá alegria, vais ver que vale a pena a vida.
Vida que todos devem viver!
Viver a vida nunca é demais
É impossível não te amar
Vida que todos devem viver!
Viver a vida nunca é demais
É impossível não te amar
Devemos aproveitar todos os segundos que a vida nos dá.
A vida é bela!
Todas as pessoas devem ser livres
O dia cinzento é o meu reflexo hoje.
Hoje vamos ao teatro com as melhores professoras do mundo
Mundo cultural
Cultural vida
Cultural ou incultural?
A vida é bela!
Todas as pessoas devem ser livres
O dia cinzento é o meu reflexo hoje.
Hoje vamos ao teatro com as melhores professoras do mundo
Mundo cultural
Cultural vida
Cultural ou incultural?
Sempre a sorrir.
Concretizar os meus objectivos.
Devemos aproveitar todos os segundos que a vida nos dá.
Concretizar os meus objectivos.
Objectivos são a meta a alcançar!
Concretizar os meus objectivos.
Devemos aproveitar todos os segundos que a vida nos dá.
Concretizar os meus objectivos.
Objectivos são a meta a alcançar!
Alcançar e conquistar tudo o que quero
Quero ser feliz!
Ser como somos
Quero ser feliz!
Ser como somos
A vida é bela!
Devemos aproveitar todos os segundos que a vida nos dá.
O dia cinzento é o meu reflexo hoje.
Gosto muito de você.
Devemos aproveitar todos os segundos que a vida nos dá.
O dia cinzento é o meu reflexo hoje.
Gosto muito de você.
Vocês é ao vosso lado
Lado onde me encontro feliz….
Encontro a felicidade, se viver a vida
Todas as pessoas devem ser livres
Sempre a sorrir.
Sempre a sorrir.
A vida é bela!
Bela como o carinho
Lado onde me encontro feliz….
Encontro a felicidade, se viver a vida
Todas as pessoas devem ser livres
Sempre a sorrir.
Sempre a sorrir.
A vida é bela!
Bela como o carinho
Carinho, bom sentimento
Sentimento bonito o que nutro por vocês
Único este sentimento
Gosto muito de vocês
O dia cinzento é o meu reflexo hoje.
Concretizar os meus objectivos
Todas as pessoas devem ser livres
Livres como passarinhos
Passarinhos que nos mostram a felicidade escondida
Escondida como a felicidade que eu tenho para dar aos outros,
A ti, mando-te um grande beijinho.
Sentimento bonito o que nutro por vocês
Único este sentimento
Gosto muito de vocês
O dia cinzento é o meu reflexo hoje.
Concretizar os meus objectivos
Todas as pessoas devem ser livres
Livres como passarinhos
Passarinhos que nos mostram a felicidade escondida
Escondida como a felicidade que eu tenho para dar aos outros,
A ti, mando-te um grande beijinho.
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10.ºE,
Oficina de escrita
marido cuco ...
Sabias que a expressão "marido cuco", que se perdeu no português actual, encontra equivalente no inglês "cuckold", significando "marido enganado"? O cuco é uma ave parasita que põe os seus ovos nos ninhos de outras aves. Este comportamento fez com que, figurativamente, se considerasse a fêmea do cuco infiel.
"Inês
«Marido cuco me levades
E mais duas lousas.»
Pêro Marques
«Pois assi se fazem as cousas.»
Inês
«Bem sabedes vós, marido,
Quanto vos amo.
Sempre fostes percebido
Pera gamo.
Carregado ides, noss'amo,
Com duas lousas.»
Pêro Marques
«Pois assi se fazem as cousas»
Inês
«Bem sabedes vós, marido,
Quanto vos quero.
Sempre fostes percebido
Pera cervo.
Agora vos tomou o demo
Com duas lousas.»
Pêro Marques
«Pois assi se fazem as cousas.»
E assi se vão, e se acaba o dito Auto.
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Farsa de Inês Pereira
Penélope escreve | José Miguel Silva
Penélope escreve
É mais que certo: não sinto a tua falta.
Fiquei a tarde toda a arrumar os teus papéis,
a reler as cinco cartas que me foste endereçando
na semana que perdemos: tu no Alentejo,
eu debaixo de água. Fui depois regar as rosas
que deixaste no quintal. Sempre só e sem
carpir o meu estado (porque não me fazes falta),
pus o disco da Chavela que me deste no Natal
e comecei a preparar o teu prato preferido.
Cozinhar fez-me perder o apetite; por isso
abri uma garrafa de maduro e não me custa
confessar-te que não sinto a tua falta.
Por volta das dez horas, obriguei-me a recusar
dois convites pra sair (aleguei androfobia)
e estou neste momento a recortar a tua imagem
(não me fazes falta) nas fotos que possuo de nós dois,
de maneira a castigar com o cesto dos papéis
a inábil idiota que deixou que tu te fosses.
José Miguel Silva
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José Miguel Silva,
poesia
«Paga-me um café e conto-te a minha vida» | Tolentino Mendonça
«Paga-me um café e conto-te
a minha vida»
o inverno avançava
nessa tarde em que te ouvi
assaltado por dores
o céu quebrava-se aos disparos
de uma criança muito assustada
que corria
o vento batia-lhe no rosto com violência
a infância inteira
disso me lembro
outra noite cortaste o sono da casa
com frio e medo
apagavas cigarros nas palmas das mãos
e os que te viam choravam
mas tu ,não,nunca choraste
por amores que se perdem
os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas ,acreditas?
E temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois
«pago-te um café se me contares
o teu amor»
José Tolentino Mendonça
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APOCALYPSE NOW | Filipa Leal
APOCALYPSE NOW
(a Adília Lopes)
Minutos antes do fim do mundo, os poetas
retiraram as vírgulas aos textos e os títulos aos textos
e a roupa ao corpo e os anéis aos dedos
porque não havia tempo
para tanta ostentação.
Porém os amantes que, à mesma hora, entretidos
liam um ao outro poemas de amor
no barroco banco do jardim
não imaginavam
o trabalho que aquilo lhes dava.
Filipa Leal
(poema retirada daqui)
(a Adília Lopes)
Minutos antes do fim do mundo, os poetas
retiraram as vírgulas aos textos e os títulos aos textos
e a roupa ao corpo e os anéis aos dedos
porque não havia tempo
para tanta ostentação.
Porém os amantes que, à mesma hora, entretidos
liam um ao outro poemas de amor
no barroco banco do jardim
não imaginavam
o trabalho que aquilo lhes dava.
Filipa Leal
(poema retirada daqui)
Princesa Desconhecida sem retrato | Rosa Alice Branca
Balthus
Princesa Desconhecida sem retrato
a Sophia de Mello Breyner
O custo da perfeição não tem idade
mas traz cansaço e vidas dobradas,
dizes,
para o tornozelo e o pescoço esguio
não foram sete dias, foram séculos
de história e um estilhaço no horizonte
para salvar da beleza o teu corpo
e o seu exílio, dizes,
e eu escrevo nas ondas com que criaste o mar,
a forma pura e límpida da búzio
por onde entram fadas, conchas ao entardecer.
Mas a princesa mora para lá do tempo
onde o ar é imóvel nos seus cabelos,
dizes
quantos escravos moldaram rosto a rosto
a simplicidade, quanto inútil for a morte
e a vida ajoelhada. Não fosse o mar
salpicar-te a face toda com palavras
não dirias pátria de voz cheia,
não terias acordado com um beijo de cravo
na lapela aberta do poema.
Rosa Alice Branco
O Mundo Não Acaba No Frio dos Teus Ossos. 2009, edições Quasi
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Sophia M. B. Andresen
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