A Mulher Dele, de Emmanuele Bernheim, por Joana
A Mulher Dele, de Emmanuele Bernheim
Neste livro conta-se a história de Claire, uma médica que conhece um homem, de seu nome Thomas, por quem se apaixona. Encontram-se diariamente e entre eles nasce um romance. Thomas acaba por contar-lhe que é casado, mas isso não impede que o caso entre eles continue. Ao longo de meses, Claire guarda tudo oo que ele lhe dá numa gaveta. Isto, ao mesmo tempo que vai imaginando a vida dele com a mulher e filhos.Por fim, Thomas ganha coragem e conta a Claire que afinal não tem mulher, nem filhos.
Um lugar para brincar, Juliana Monteiro
Um lugar para brincar, Juliana Monteiro
Uma criança brinca ao som da melodia
Duas crianças, juntas, descobrem o sabor de um sorriso
Entre risos e alegrias esvoaçam borboletas coloridas
Que me dizem que ser criança é ser feliz
Que os homens deixam morrer dentro de si essa criança
E se entregam às vicissitudes da vida
Entre nós caminha a felicidade disfarçada
E descubro que não somos como balões que caminham em liberdade
Cruzando-se no decorrer desse caminho
O problema de ser norte, de Filipa Leal, por Juliana Monteiro
O Problema de Ser Norte é um pequeno livro de poesia da autoria de Filipa Leal. Trata-se de um livro que revela uma sensibilidade extrema, uma imensa delicadeza. Nenhuma palavra é escolhida ao acaso: todas são pensadas e pesadas. São poemas que nos falam dos medos da vida, da tristeza, da felicidade, do amor. Só em “Traindo o poema” é que a poeta nos toca as questões mais banais, mais domésticas.
Traindo o poema
Juro: eu tinha prometido não escrever
este poema. Não gosto de supermercados
nem de poetas de supermercado, mas hoje enchi
a casa de manteiga e não pude evitar uma sensação
de metáfora, uma ironia a escorregar-me nos dedos
como anúncio de contemporaneidade. Juro: eu não preciso
de tantas embalagens, nem preciso deste poema,
mas há tantos dias que não posso tomar o pequeno-almoço
na minha casa sem manteiga, sem poema, que hoje enchi-me
de coragem para tudo isto.
E juro: apesar da traição, sinto-me hoje mais
contemporânea
do que nunca.
Filipa Leal
"Novas Cartas Portuguesas" : Proíbem-me e eu incandesço
No dia 23 de Maio, a convite de Ana Luísa Amaral tivemos o privilégio de assistir a uma aula aberta do Mestrado de Estudos Feministas e Estudos Queer, no Anfiteatro Nobre da Faculdade de Letras do Porto, na qual esteve presente Maria Teresa Horta, uma das três Marias.
Maria Teresa Horta falou sobre o processo de apreensão do seu livro de poesia “Minha Senhora de Mim” e sobre o contexto de produção e sobre a recepção literária e política que das Novas Cartas Portuguesas. A propósito de Minha Senhora de Mim recordou que foi espancada na rua por elementos da Pide que lhe disseram que “"era para aprender a não escrever assim".
Sem quebrar o segredo da escrita de cada um dos textos que compõem as Novas Cartas Portuguesas, Maria Teresa Horta contou que as três (ela, Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno) começaram a escrever em torno de um mesmo eixo: Mariana Alcoforado, a freira portuguesa. Confidenciou-nos, ainda, que a escolha de Mariana Alcoforado não foi consensual. A princípio, Isabel Barreno ficou reticente, mas foi a própria Isabel a primeira a trazer o seu contributo para as futuras Novas Cartas Portuguesas, a partir de aí passaram a encontrar-se amiúde a fim de partilharem os textos que produziam (estes eram sempre lidos em voz alta).
Na plateia, alguém perguntou se Inês de Castro não teria sido também uma boa escolha em vez de Mariana), ao que M.T.H. respondeu que, apesar de também terem pensado em Inês de Castro, puseram a ideia de parte uma vez que esta foi mais objecto do amor do que sujeito. Só perto do final do processo de escrita é que tiveram consciência do impacto que o livro poderia ter. Aliás, Maria Teresa Horta já tinha tido problemas com o livro Minha Senhora de Mim (1971), livro censurado e considerado, na época, pornográfico e obsceno. Por causa deste livro, o secretário de Estado da Informação e Turismo da altura, Moreira Baptista, ameaçou Snu Abecassis, responsável pela Dom Quixote, de fechar a editora caso voltasse a editar mais algum livro de Maria Teresa Horta. Apesar de terem quatro editoras interessadas na edição da obra, estas, quando leram o original, recuaram. Apenas Natália Correia, directora do Estúdio Cor, abraçou o projecto e o livro é posto no mercado e é retirado em menos de 24 horas.As três escritoras são acusadas de pornografia e ultraje à moral e alvo de um processo judicial. Ficam conhecidas como as “três Marias”.
Por causa da censura prévia, o impacto, em Portugal, foi pequeno, pois qualquer notícia a respeito das Novas Cartas Portuguesas era cortada. No entanto, no estrangeiro foi diferente: O livro tinha chegado a a Simone Beauvoir, a Christiane Rochefort e a Marguerite Duras. Gerou-se um movimento de contestação: faziam-se manifestações, marchas e a embaixada portuguesa na Holanda foi mesmo ocupada.O julgamento foi marcado para 5 de Maio de 1974. Felizmente, dias antes chegou a liberdade.
Disto e muito mais nos deu conta Maria Teresa Horta. Leu ainda alguns poemas seus , como Minha Senhora de Mim, que já conhecíamos, mas que na sua voz ganhou outra cor. Falou ainda da intertextualidade e do texto do corpo. De tudo o que disse, queremos só dar conta desta magnífica frase de Maria Teresa Horta: “Proíbem-me e eu incandesço”. Já a havíamos lido numa entrevista, mas dita por ela ganhou outra força.
O nosso agradecimento a Ana Luísa Amaral pelo convite e a Maria Teresa Horta pela partilha.
Intertextualidades; "Comigo me desavim "
Comigo me desavim
Comigo me desavim,
sou posto em todo perigo;
não posso viver comigo
nem posso fugir de mim.
Com dor, da gente fugia,
antes que esta assi crecesse;
agora já fugiria
de mim, se de mim pudesse.
Que meo espero ou que fim
do vão trabalho que sigo,
pois que trago a mim comigo,
tamanho imigo de mim?
Minha Senhora de Mim
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
sem ser dor ou ser cansaço
nem o corpo que disfarço
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
nunca dizendo comigo
o amigo nos meus braços
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
recusando o que é desfeito
no interior do meu peito
Maria Teresa Horta
Sá de Miranda Carneiro
comigo me desavimeu não sou eu nem sou o outro
sou posto em todo perigo
sou qualquer coisa de intermédio
não posso viver comigo
pilar da ponte de tédio
não posso viver sem mim
que vai de mim para o Outro
Alexandre O'Neill
Minha Senhora de Quê
dona de quê
se na paisagem onde se projectam
pequenas asas deslumbrantes folhas
nem eu me projectei
se os versos apressados
me nascem sempre urgentes:
trabalhos de permeio refeições
doendo a consciência inusitada
dona de mim nem sou
se sintaxes trocadas
o mais das vezes nem minha intenção
se sentidos diversos ocultados
nem do oculto nascem
(poética do Hades quem mdera!)
Dona de nada senhora nem
de mim: imitações de medo
os meus infernos
Ana Luísa Amaral
A intertextualidade é o diálogo entre textos. A intertextualidade obriga à memória literária, para que um texto absorva e transforme outro é necessário que o conheça. (ver mais).
Referências, alusões, epígrafes, paráfrases, paródias ou pastiches são algumas das formas de intertextualidade, de que lançam mão os escritores em seu diálogo com a tradição. (mais aqui)
Ana Luísa Amaral e Maria Teresa Horta
Uma jóia de pechisbeque, de Joana Vasconcelos
A torre de Belém ostenta um colar. É a mais recente instalação de Joana Vasconcelos. (por Luísa Soares de Oliveira)
"Turista que se preze não sai de Lisboa sem ter feito uma visita à Torre de Belém. O monumento manuelino acabou por se tornar num dos emblemas da cidade, sofrendo com as inúmeras reproduções sobre incontáveis suportes que enxameiam as lojas e barracas de "souvenirs" destinadas ao estrangeiro incauto.
Na verdade, a Torre é um exemplo perfeito da especificidade do gótico tardio em Portugal: feita fora de tempo, já no século XVI, ultra-decorada com os motivos típicos do Manuelino, acabou por revelar-se de uma utilidade discutível: mais do que o baluarte de defesa idealizado por D. João II e construído por D. Manuel, serviu de alfândega, paiol, farol, prisão, e hoje, totalmente esvaziada das suas funções primeiras, é uma relíquia decorativa pousada à beira-Tejo. Integra a imagem de Lisboa, como já dissemos, ao mesmo título que as ruas descuidadas de Alfama, o eléctrico 28 ou os pastéis de Belém.
Ora, o mais recente projecto de arte pública de Joana Vasconcelos construiu-se precisamente na Torre de Belém. Trata-se de um colar feito de bóias de navegação em amarelos, vermelhos, verdes e negros, as cores da bandeira nacional. Como sempre nos trabalhos desta escultora, possui um sentido de escala perfeito, distinguindo-se à distância. Concretiza uma metáfora, a da "jóia do Tejo", que tantas vezes substituiu a designação do monumento. Mais: ao convocar uma disciplina específica, a joalharia, para caracterizar um edifício em pedra, convoca a história associada ao período da sua construção, e nomeadamente a das relações coloniais e comerciais entre Portugal e o Brasil.
É certo que o Manuelino, como estilo, possui ligações à joalharia e à ourivesaria que foram já estudadas por peritos. Por outro lado, a descoberta do caminho marítimo para a Índia, primeiro, e o achamento do Brasil, depois, estiveram na origem da maior entrada de ouro, pedras preciosas e divisas de que Portugal tem memória. Joana Vasconcelos já abordou noutras obras esta relação entre o poder do dinheiro e a beleza que o uso de jóias proporciona, nomeadamente nos grandes corações feitos com garfos de plástico que reproduzem a forma das jóias de Viana. Mas o objectivo aqui é outro: trata-se de desconstruir uma imagem criada para simbolizar o poder (só a ostentação pode justificar a ornamentação excessiva e inútil de um baluarte militar) através de um processo inverso ao que preside à construção de uma metáfora: a "jóia do Tejo" torna-se real, a Torre torna-se metáfora dessa realidade, mas a jóia não o é realmente, é, sim, um encadeado de bóias de navegação sem valor de luxo.
Por isso, é evidente que este é um trabalho sobre a desconstrução dos símbolos, e mesmo sobre a falta de validade dos mitos que os precedem. Neste sentido, Joana Vasconcelos encontrou o melhor local e a melhor maneira de realizar o seu trabalho de escultora contemporânea: a interrogação das imagens do poder. Um poder que vai muito além do do longínquo século XVI."
( in ÍPSILON (Público), 16 de Maio)
A soma dos dias, de Isabel Allende
Este livro deprimiu-me, pois é escrito de forma tão intensa que eu me senti a partilhar os mesmos episódios vividos pela narradora.
Depois da morte de Paula, o sentido da vida de Isabel Allende perdeu-se. Este livro tocante, com eça no momento em que a família se reúne para espalhar as cinzas de Paula. A par da história da filha que desapareceu, a narradora conta-nos outros episódios da sua vida.
Acho que nunca li nenhum livro com tanto entusiasmo.
A Soma dos Dias, de Isabel Allende
Gabriella Oliveira
Minha senhora de mim, de Maria Teresa Horta
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
sem ser dor ou ser cansaço
nem o corpo que disfarço
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
nunca dizendo comigo
o amigo nos meus braços
minha senhora
de mim
recusando o que é desfeito
no interior do meu peito
Lâmina de Barbear, de Jorge Gomes Miranda
Abre um armário espelhado,
pega em mim.
Pousa-me no lado direito do lavatório.
Inclina-se.
No instante em que a água quente
corre da torneira,
nas mãos em concha mergulha
o rosto; emerge para o aproximar
um pouco mais do espelho
e repara nas linhas
que se formaram nos últimos anos
à volta dos olhos.
O creme percorre a pele áspera,
suaviza-a,
quase uma carícia.
Calmamente começa a fazer a barba:
movimentos certos,
conhecidos.
Olha para o seu lado esquerdo.
Removida do rosto uma sombra,
outra, ainda sem nome,
investe já contra a pele.
Jorge Gomes Miranda
Duas vezes nada, de Manuel de Freitas
Duas vezes nada |
É assim, amiga. Encontramo-nos |
Genealogia, de Manuel de Freitas
"Não sei se a cultura ajuda. Preferia
a qualquer obra de Bach
que a música ambulante do amolador
pudesse de novo passar na infância,
na infância breve de estarmos ambos vivos,
sentados na varanda. À espera de dias
iguais, sob a alta sombra dos pinheiros.Era isso."
Manuel de FREITAS, (2003), Beau Séjour. Lisboa: Assírio & Alvim.
Um excerto de Genealogia, um poema à «musa distraída» de M. Freitas, escolhido pela Bruna.
Anjos Caídos, de Ana Luísa Amaral
Anjos caídos
Neste palco de sol,
de repente:
os teus lábios:
anjos caídos mas abençoando
Cada curva e tremura
dentro do nervo exacto
da memória
Por esses lábios
eu faria tudo:
rasgava-me de sangue
e inocência,
partia com as mãos vitrais
e estrelas,
desintregava o sol
Já não anjos caídos
os teus lábios,
mas deuses transportados
pelos meus
Ana Luísa Amaral
(o poema que o Rui escolheu)PARA AGRADAR A UMA SOMBRA, de José Miguel Silva
Isn't it just like love?
The Psychedelic Furs
Agora que já chorei o meu papel de solitário
posso virar a folha e declarar que, na verdade,
eu nunca estive sozinho. Tive sempre a boa companhia
da minha sombra. E não posso dizer
que nos déssemos mal: uns dias pior, outros pior.
Como todos os casais. Tínhamos (e temos)
a mesma idade, os mesmos gostos musicais,
um amor paralelo por fogo de lenha,
líamos os livros a meias, quase não gastávamos
nenhum oxigénio.
Dos dois era ela quem insistia, às vezes,
para irmos dançar. Mas eu, é claro, detestava
o tremedal das discotecas; amava mais depressa
o movimento descritivo dos romances
do que a luz hipotecada de um corpo distante.
Com o tempo, no entanto, foi crescendo esse litígio.
As nossas relações foram perdendo vulto
à medida que ela convidava mais gente
para a nossa cama. Até que um dia chegou a casa
e apresentou-me “o amor da nossa vida; agora
somos três”. E assim a minha sombra,
a minha ingrata começou a dizer coisas lacerantes.
Por exemplo: “Vai tu ao cinema. Nós ficamos.”
Ou então: “Bem podemos, de vez em quando,
caminhar separados, ou não achas?” E fecha-se
no quarto com a outra, em colóquios ofegantes.
Altura em que, de raiva, saio porta fora.
Uma vida a três é talvez menos longa do que uma vida
a dois. Há um milímetro agora de distância entre mim
e a sombra. O espaço bastante para um raio de luz.
Não ficámos, realmente, pior do que estávamos.
Mas chega a ser enjoativo ver o trevo cor-de-rosa
que semeiam no quintal, felizes como duas estrelinhas
de cinema. Nem sei o que diga. Parecem crianças.
José Miguel Silva
(o poema que intrigou a Joana ou de como se constroem sentidos...)
A banda sem futuro, de Marilar Aleixandre, por Gabriela M,
A banda sem futuro, de Marilar Aleixandre, é um livro que nos fala de uma jovem de 16 anos com uma má adolescência. Sofre de uma doença de pele (eczema) e não pode deixar crescer o cabelo antes do fim do tratamento. “Careca” passa momentos difíceis e decide desabafar com o seu ídolo: um vocalista de uma banda rock. Trata-se de um livro que se devora pois a autora sabe como despertar a nossa curiosidade.
Gabriela.
O Senhor Valéry, o Senhor Henry e o Senhor Calvino, de Gonçalo M. Tavares
Aparição, de Vergílio Ferreira, por Juliana
Aparição, da autoria de um dos grandes mestres da língua portuguesa, é uma obra complexa e marcante. O narrador conta-nos da sua estada em Évora, durante um ano lectivo, mas isso é o menos importante. O que realmente interessa é a descoberta que Alberto, o protagonista, faz: descobre-se a si próprio. Vergílio Ferreira fala-nos da descoberta do eu e da tentativa inglória de partilhar este conhecimento com os outros. O que mais me prendeu a este livro foi a forma como o escritor nos prende à sua descoberta e a forma como detalhadamente nos aproxima de Sofia. É uma escrita intensa que envolve o leitor.
Aparição, de Vergílio Ferreira