Two lovers | James Gray (com Joaquin Phoenix, Gwyneth Paltrow, Isabella Rossellini)
Um suicida falhado.
Csamentos combinados.
Uma vizinha com problemas.
Um filme entre o conforto e o desjo,
Um receita para o que poderia ter sido um filme banal, mas não é.
Joaquin Phoenix, Gwyneth Paltrow, Isabella Rossellini, nos principais papéis.
Através da Homenagem, pretende-se este ano, distinguir o percurso artístico de JORGE VIEIRA e chamar a atenção para a relevância da sua obra, junto daqueles (designadamente da geração mais jovem) que ainda não terão tido a oportunidade deste contacto.
A bienal de Cerveira, desde sempre pretendeu criar uma oportunidade para todos aqueles que pretendam apresentar a sua obra, num evento de grande visibilidade pública, através da participação do concurso, que deverá reflectir um critério de grande exigência.
A organização da Bienal deverá assegurar a presença de artistas emergentes e outros de reconhecido prestígio, quer através de convites, quer através de critérios de autoria curatorial.
Desde a sua primeira edição, a Bienal tem-se caracterizado por ser também um espaço onde se privilegia a presença dos artistas, facultando estadias e a utilização dos ateliers e oficinas, ou pela organização de work-shops e participação em debates.
A XV Bienal de Cerveira propõe para o debate, em data a anunciar, o tema “Uma cultura do poder ou o poder da cultura”.
mais aqui
É um quadro de Edward Hopper | Adília Lopes
É um
quadro
de Edward Hopper
de 1924
chama-se
“New York pavements”
mostra
uma freira
a empurrar
um carrinho de bebé
contra o vento
pelas ruas
pelos passeios
de Nova Iorque
o véu
do hábito
da freira
esvoaça
Que freira
desalmada!
comenta
uma amiga
Este
quadro
de Edward Hopper
que tenho
em postal
puxa-me
ou empurra-me
a alma
Desempregados | António Pinto Ribeiro
Portugal Offashion | Joana Vasconcelos
O projecto “PORTUGAL OFFASHION” compreende a produção de um filme, documentando as várias fases de realização de um desfile de moda com vestuário e adereços rejeitados pela sociedade. O desfile foi realizado nas instalações do Movimento Emmaüs, em Caneças, na área de depósito de lixos, utilizando vestuário e outros objectos recolhidos por esta Organização Não Governamental.
Arquitectura de Peso | Edgar Pêra
Desde A Cidade de Cassiano que recusa escravizar o som à imagem, cruzando a nostalgia da película com a pós-produção vídeo/computador. Nos anos 2000, a montagem sono-plástica associa-se às emoções, quer no documentário (Movimentos Perpétuos) quer na ficção (Rio Turvo). Sem abdicar de uma reflexão sobre a realidade do seu país, o que torna a sua obra irredutivelmente portuguesa e de difícil tradução. Excepções como Who Is The Master Who Makes The Grass Green? apenas confirmam a regra. " (daqui)
Links: Edgar Pêra no Youtube
Entrevista a Carlos Vaz Marques - Pessoal e Transmissível (podcast)
Cesário inédito
SCANDALOS
Fallava-lhe ella assim:
— “Não sei [porque me odeia,
“Não sei porque despreza a luz dos meus olhares,
“Se o adoro com fervor, se não me julgo feia,
“E o meu olhar eguala as chammas singulares
“Do incendio de Pompeia! “Instiga-me o aguilhão do vicio fatigante,
“E crava-me o capricho os vigorosos dentes;
“Não quero o doce amor platonico do Dante
“E sinto vir a febre e as pulsações frequentes
“Ao vel-o, ó meu amante! “As ancias, as paixões, os fogos, os
ardores, “Allucinada e louca, eu vejo que
abomina, “E ignoro com que fim, em tempos
anteriores, “Enchia-me de gosto a bôca purpurina,
“E o seio de calores!” E elle ao vel-a excitante, hysterica, exaltada, Volveu lhe glacial, britannico, insolente:
— “A tua exaltação decerto não me [agrada, “E, ó minha libertina! eu quero-te somente
“Para mecher salada!”
Lisboa, agosto, 1874
ARREDORES | Nuno Júdice
Álvaro de Campos
É o Memorial do Convento difícil?
Sobre O Memorial do Convento aqui
O TEMPO CIRCULAR | Miguel-Manso
O TEMPO CIRCULAR
há uma fotografia de ruy belo
e há também aquela praia muito ténue de "não há morte
nem princípio"
ou há uma fotografia do meu pai numa
beira-mar de moçambique
sentado com um outro que nunca soube
quem era, óculos escuros - a mocidade
- esse outro
o meu pai olhando o mar para lá do
fotógrafo como se o fotógrafo
e
agora
quem vê a fotografia segurando-a
com a mão vindoura
como se não existissem
não existíssemos mas que fosse minha
também
aquela praia onde ruy belo
ainda não usava barba e cabelos à ruy belo
à
allen ginsberg (gente que já morreu
gente vindoura)
tudo gente que habitou longamente
em algum momento uma praia
uma praia
que eu sei que há e que aconteceu
também quando eu morri
quando eu também fui jovem
e poeta numa fotografia ou num reflexo
de garrafa
a minha imagem
à beira de um verão segurando
desde o peito a vida
O faz-tudo de Joana Vasconcelos
Duarte Ramirez projecta, constrói e experimenta todas as estruturas que suportam cada obra da artista, sua mulher
Conheceram-se na Escola Secundária António Arroio há 20 anos. Ambos queriam seguir Arquitectura e a emblemática escola de Lisboa era o melhor estágio para quem quisesse seguir um curso ligado a qualquer vertente artística. O convívio diário dentro e fora das salas de aula (ficaram na mesma turma) aproximou-os muito. Em pouco tempo tornaram-se namorados. A partilha de ideias, de projectos e processos criativos começou aí.
Duarte seguiu para a Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa e licenciou-se em Arquitectura. Joana optou pelo IADE e posteriormente pelo Ar.Co. Mas nada mudou na sua relação pessoal e profissional. “Não consigo distinguir uma coisa da outra”, diz Duarte, hoje já na pele de marido de Joana Vasconcelos. “Mas sei que ela vai precisar de mim cada vez mais”, adianta, referindo-se à vocação da artista para realizar obras de grande escala com exposição pública.
De facto, o trabalho do arquitecto está presente em todos os grandes trabalhos da artista plástica. É um trabalho intenso, muito mais técnico do que a explosão criativa que caracteriza as obras de Joana, mas indispensável ao seu impacto. Quem imagina como se torna possível a concretização de peças como “Cinderela” (o sapato gigante de Joana), “Néctar” (a estrutura metálica ornamentada por garrafas de vinho que dá as boas-vindas ao visitantes do Museu Berardo), “Varina” (a colcha que cobriu a Ponte D. Luís, no Porto) ou “A Jóia do Tejo” (que decorou a Torre de Belém, em Lisboa)?
“Todos estes trabalhos seguem praticamente os mesmos trâmites que um concurso de arquitectura. Implicam desenhos técnicos e da especialidade, construção de maquetas, estudos de representação, fotomontagens... A muitos deles acresce ainda a componente mecânica ou eléctrica, outros necessitam de soluções mais próximas da engenharia, outros ainda vivem de trabalhos de serralharia”, explica o arquitecto.
É ele quem pensa e experimenta todas as estruturas que servem de apoio às obras, calcula e testa o peso da peça e desenvolve o melhor mecanismo para a construir e colocar no local escolhido pela artista. A escolha dos materiais a utilizar em cada estrutura de base é mais uma tarefa de Duarte.
Mas há mais. “Quando o trabalho implica autorizações e licenças de várias entidades, é preciso alguém que o sustente tecnicamente em cada reunião”, diz. “Para conseguirmos colocar a toalha de croché na Ponte D. Luís, por exemplo, foi preciso discutir os pormenores com as autarquias do Porto e de Gaia, o Metro do Porto, a Rodoviária, a PSP, o Porto de Leixões...” O sapato obrigou a grandes opções ao nível da escala, da aproximação e da forma de o manter seguro ao solo.
“Mas, de facto, a grande ajuda que dou à Joana é na lida da casa!”, termina Duarte a sorrir.
- 11 Jul 2009 | Expresso Única | ALEXANDRA CARITA
670 | Emily Dickinson
One need not be a Chamber — to be Haunted —
One need not be a House —
The Brain has Corridors — surpassing
Material Place —
Far safer, of a Midnight Meeting
External Ghost
Than its interior Confronting —
That Cooler Host.
Far safer, through an Abbey gallop,
The Stones a'chase —
Than Unarmed, one's a'self encounter —
In lonesome Place —
Ourself behind ourself, concealed —
Should startle most —
Assassin hid in our Apartment
Be Horror's least.
The Body — borrows a Revolver —
He bolts the Door —
O'erlooking a superior spectre —
Or More —.
Emily Dickinson
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Não é preciso ser um Quarto - para estar assombrado -
Nem é preciso ser uma Casa -
O cérebro tem Corredore - que ultrapassam
Os lugares materiais -
Bem mais seguro o Encontro Nocturno
Com um fantsma Concreto
Do que o confronto interior -
Com o Hóspede mais Frio.
Bem masi seguro o galopar por uma abadia,
Com as pedras atrás -
Do que encontrar-se consigo mesmo, Desarmado -
Num ermo -
Esse Eu que o próprio Eu encobre -
Eis o maior susto -
Nem um Assassino escondido em nossa Casa
Seria mais Horrível.
O Corpo - pega numa pistola -
Aferrolha a Porta -
Ms esquece um espectro bem maior -
Ou Pior ainda -
JÚDICE, Nuno. Emily Dickinson: poemas e cartas (antologia para um recital). (Introdução e tradução [revista por Ana Luísa Amaral]. Seleção de Nuno Vieira de Almeida). Edição bilíngüe. Lisboa: Cotovia, 2000.
Ainda os exames...
Alice no País das Maravilhas
Ponto-a-ponto das resenhas
"Para escrever resenhas - ou qualquer outra coisa- não é preciso apenas saber escrever. É imprescindível saber pensar. Uma boa resenha é, em resumo, um exercício de reflexão, unindo uma boa escolha de vocabulário a um estilo articulado. Eis o resumo com alguns ingredientes que ajudam a montar a receita de uma crítica bem sucedida:
- Ler o livro integralmente (resenhas feitas por quem não leu o livro são flagrantemente superficiais).
- Mostrar a riqueza de vocabulário (evitar repetir palavras, sobretudo adjectivos).
- Evitar excesso de adjectivos.
- Restringir ao máximo o número de quês.
- Manter a harmonia de tom: nem tão coloquial, que pareça linguagem falada, nem tão formal, que dificulte a compreensão do leitor.
- Preparar um texto articulado sem os nós que dificultam a compreensão: a comunicação não pode ser truncada.
- Evitar parágrafos longos demais.
- Ter concisão e objectividade (fuja de longas introduções e de longas conclusões)
- Pesquisar a obra do autor e a sua cadeia evolutiva.
- Evitar o tom subjectivo.
- Incrementar o diálogo do texto com outros textos. A resenha de um livro nunca deve abordar apenas um livro, pois as obras dialogam entre si no tempo e no espaço."
PINA BAUSCH
Pina Baush no Expresso
MUDOU O MUNDO DA DANÇA. UM EXERCÍCIO OBSESSIVO DE CUMPLICIDADE — COM OS INTÉRPRETES, PRIMEIRO, MAS TAMBÉM COM O PÚBLICO
4 Jul 2009 | Expresso Actual| Texto de Claudia Galhós Fotografia de Nuno Fox
A SUA CARREIRA começa como bailarina clássica
As aparentes cenas banais do quotidiano, pervertidas, distorcidas, desordenadas, expunham as entranhas em fortes imagens visuais. No fundo, havia uma pulsão de morte que arranca qualquer superficialidade daquelas vidas, e as atira de encontro às paredes, no desvario de um sentido pleno de existir. Também assim era Pina Bausch, consumida nessa entrega ao outro.
A dança nunca mais foi a mesma. O público reagiu mal a estes bailarinos que apareciam em palco como se fossem simples pessoas. Reagiram mal ao teatro que interrompia a exibição do movimento virtuoso, combinado com vídeo e música. Reagiram mal ao questionar dos corpos e dos comportamentos perfeitos. Reagiram mal à imagem da vida em comunidade representada em actos de desespero, tropeços, agressões, e o instalar de uma estética que destruía a imagem feita do belo e mostrava os homens e mulheres, apesar de vestidos de fato (eles) e de saltos alto (elas), dolorosamente perturbados. Uma crítica da “New Yorker” chegou a definir o seu trabalho como “pornografia da dor” e, em Portugal, o ensaísta António Pinto Ribeiro escreveu “Ser feliz é imoral?”. Afinal, com as peças dela impunha-se um outro sentido do gosto: já não era suportável aceitar o artificialismo da felicidade mentirosa e irreal da dança clássica, com os seus corpos belos.
Pina Bausch gostava mais de falar através das palavras dos outros, dos seus bailarinos, escritas em movimentos do quotidiano, que ela baralhava numa lógica narrativa fragmentária mais próxima da poesia do que da narrativa. Tinha essa habilidade de os ouvir, de os fazer falar. Tinha a generosidade de acolher as suas histórias e transformá-las em peças que eram testemunho de uma intimidade partilhada entre criadora e bailarinos e que é apenas um dos aspectos da revolução que ela trouxe para a dança, Pina Bausch acaba com as hierarquias entre coreógrafo e intérprete. Inverte o sentido da comunicação. A revolução acontece no momento em que ela coloca a primeira questão: O que sentes? Ou: O que pensas? Ou: O que viste? Os intérpretes passaram a ser co-autores das obras. Deixaram de ser meros autómatos que se limitam a cumprir indicações e a reproduzir gestos decorados, sem sentido nem alma. Ela pousava o silêncio e os olhos delicados sobre eles e absorvia tudo. Absorvia-lhes as emoções, as memórias, as alegrias e as dores. O corpo dela não tinha espaço para mais nada, a não ser essa profunda sensibilidade que se traduzia num acto de amor.
Talvez por isso, as primeiras peças sejam mais negras, num mergulhar profundo no interior do ser. Talvez por isso, nessa época, ela evitasse as entrevistas, porque a aventura da criação era a aventura do mistério, que existia em silêncio dentro de si. Demasiado próxima do lado negro da vida.
Pina Bausch veio a Portugal em 1989 pela primeira vez, aos Encontros Acarte, com a peça “E na montanha ouviu-se um grito”. A dança portuguesa contemporânea estava a dar os primeiros passos. Veio novamente em 1994, para um extenso e emblemático programa combinado entre os Encontros Acarte e Lisboa Capital Europeia da Cultura: “Café Müller”, “A Sagração da Primavera”, “Kontakthof”, “1980” e “Viktor”. A coreógrafa alemã chegou tarde a Portugal, mas chegou com força. Rapidamente se tornou um caso de mainstream raro no mundo da dança.
Nessas passagens, ela não dava entrevistas. Era uma mulher silenciosa, de silhueta frágil, consumida por um mundo de emoções. Era “A Nossa Senhora da Dança”, que de maneira mais ou menos directa influenciou as gerações de bailarinos que estavam a surgir, enquanto o público se comovia, maravilhava, entristecia, ou sorria perante essas perturbações do viver. Diziam: ela não fala com a imprensa. Pensava-se: talvez... ela seja inacessível. Era apenas mais um equívoco. Como nas primeiras obras, que chocou audiências na Alemanha, que pensavam que ela queria provocar, quando ela apenas “sentia necessidade de expressar algo e tentava fazê-lo através da dança”. Durante anos pensou-se: é estrela, impõe uma distância, por isso não quer falar. Mas Pina Bausch era simplesmente tímida. Nas entrevistas. E esgotavam-se-lhe as palavras nas peças que construía. Começa aqui uma viagem ao mundo do silêncio de Pina Bausch, para lhe escutar a voz, por trás dos gestos e das palavras dos seus intérpretes.
Depois de várias esperas à porta do hotel onde estava hospedada, quis a sorte que a tenha apanhado um dia a sair. Qual das duas a mais envergonhada. Ela numa voz quase inaudível, um olhar em constante fuga para o lado, os gestos lentos da mão de dedos longos que leva o cigarro à boca, e o corpo quase estático, quase transparente, dizia apenas: “Mas não tenho nada para dizer”. E ficávamos penduradas no silêncio. Constrangedor. À insistência, ela cedeu. “Vá ter comigo às tantas horas aos camarins da Gulbenkian”. E ela falou. Muito pouco. Muito sintética. Tão simpática e humilde quanto podiam ser as frases curtas que acabava por dizer sobre as suas peças, essas breves e emblemáticas convicções da crença no trabalho com os intérpretes, da importância das emoções no que faz mover os bailarinos e os paladares, cheiros e cores que levava de Lisboa, cidade à qual declar
Em 1998, depois de uma residência em Lisboa, em que criou “Masurca Fogo”, inspirada nesse breve deambular pela cidade (no âmbito do Festival dos Cem Dias da Expo-98), voltámos a cruzar-nos para mais uma breve conversa arrancada às repetidas recusas da coreógrafa de dar entrevistas. Dessa vez, foi num banco num corredor dos bastidores do CCB. Ficaram as imagens do silêncio das respostas, a ampliar o jogo da atenção aos pequenos gestos. Aquelas mãos dela, os dedos tão compridos a desenhar pequenas coreografias no ar e a serem mais expressivos do que qualquer som que ela produzia. A repetida dificuldade de falar das suas obras. Mais tarde explicou: “Adorava dançar porque tinha medo de falar. Quando estava a mover, conseguia sentir”.
Teóricos organizam o percurso de 41 anos de carreira como coreógrafa por períodos temáticos. Mas há claramente duas fases distintas, que têm “Masurca Fogo” como ponto de viragem. Ou Brasil e a peça “Água”, criada em residência naquele país, como inauguradora de uma nova fase. A “rainha das profundidades” como chegou a ser chamada, estava mais leve. Não tanto na aparência, que permanecia envolta nas roupas negras e na figura frágil, mas no conteúdo da obra, que parecia expressar mais a dimensão descontraída e feliz do quotidiano, com os bailarinos em fato-de-banho e toalhas de praia com desenhos de corpos de formas generosas, suavizando a dimensão psicológica complexa que caracterizou as primeiras décadas.
“Água” passou por Lisboa (CCB) em 2003, e a coreógrafa também estava diferente. Acompanhava o temperamento da obra, fazia-se mais leve, mais comunicativa. Nesse ano deu entrevistas, conferência de imprensa, ainda se esquivou a perguntas que descodificavam o sentido da obra, mas riu-se e disse piadas. O comportamento errante e desordenado daqueles homens e mulheres correspondia a uma banalidade do existir que perdia a sua densidade psicológica. Tornaram-se quase insignificantes e não chegavam a ser perturbadores.
Nos últimos anos, Pina Bausch tornou-se presença frequente nos palcos portugueses. Em Maio do ano passado revelou-se um verdadeiro fenómeno de massas, com o público a esgotar o programa de “Um Festival Pina Bausch”. Foi uma despedida muito especial, com revisitação de peças históricas e a oportunidade de a rever em cena, já com 67 anos, nessa preciosa e tão fortemente simbólica peça que é “Café Müller”. Nessa ocasião ela continuava muito comunicativa, mas parecia ainda mais delicada fisicamente. O cenário reproduz um café, com as cadeiras espalhadas pela sala, simbólicas da ausência, da solidão, como obstáculos. É uma obra que fala da ruptura amorosa, da dor e da solidão. Pina Bausch dançou em Lisboa pela última vez. Os gestos de um corpo fantasma, num ondular sonâmbulo, interior, profundo. Havia algo de cada pessoa em cada um dos seus movimentos. No abandono. Na queda. Quase a desaparecer. Transparente. A dança de Pina Bausch era uma dança pessoal, de intimidade, e tão viva que vivia em si a presença da morte, a cada instante. Era uma dança maior que a própria dança. Era um fragmento do mundo num palco. E isso ela sabia explicar: “Se cada um for ao fundo dos seus sentimentos, acredito que há uma linguagem que todos partilhamos, que todos falamos e na qual todos nos entendemos e nos encontramos. É dança, é movimento, mas é também tudo o que nos ajuda a expressar melhor aquilo que nos move”. A dança não mais vai falar assim.
4 Jul 2009 | Expresso Actual| Texto de Claudia Galhós Fotografia de Nuno Fox